No julgamento do Recurso Especial nº 2.127.738/SP, ocorrido em outubro, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu, por unanimidade, manter o acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), que indeferiu o pedido de exibição de documentos formulado em ação de produção antecipada de provas ajuizada por sociedade anônima contra administradora de fundo de investimento em participações.
No caso analisado, a autora, cotista minoritária de empresa pertencente a um grupo econômico de grande porte, alegava a ocorrência de operações societárias fraudulentas envolvendo determinado fundo de investimento em participações. O propósito da medida judicial era obter a exibição de documentos considerados necessários para analisar as suspeitas e viabilizar eventual ação judicial com o objetivo de declarar a nulidade das operações.
Em primeiro e segundo graus, o pedido foi indeferido com base, entre outros fundamentos, no fato de que: (i) a administradora do fundo de investimento não detém obrigação legal de exibir documentos relativos às operações; e (ii) não foi comprovado que a autora detém 5% do capital social das sociedades supostamente envolvidas nas operações fraudulentas, nem 5% das cotas do fundo de investimento, conforme exigido pelo artigo 105 da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.A.).
De acordo com o voto do ministro relator Ricardo Villas Bôas Cueva, a ação de produção antecipada de provas deve ser admitida com cautela no âmbito do mercado de capitais, observando-se a pertinência da prova e a relevância da documentação cuja exibição se busca. O relator destacou, ainda, que a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) exerce função regulatória e resolutiva essencial, e que a divulgação judicial irrestrita de documentos sigilosos pode comprometer a atuação institucional, fiscalizatória e conciliadora do órgão.
O ministro também enfatizou que, nas ações de produção antecipada de provas voltadas à exibição de documentos em disputas de natureza econômica, devem ser considerados critérios como: (i) a disponibilidade da documentação por parte da requerida; (ii) a viabilidade de seu fornecimento; (iii) a eventual quebra de sigilo comercial; e (iv) os critérios de pertinência, proporcionalidade, adequação e necessidade da medida.
Em relação à figura do administrador de fundo de investimento, o relator ressaltou, com base na Resolução CVM nº 175/2022, que seu papel é fundamental para o bom funcionamento do mercado de capitais. Embora detenha autonomia significativa, essa autonomia é limitada pela observância das normas regulatórias da CVM e pela obrigação de zelar pelos interesses dos cotistas.
Quanto à legitimidade das partes, o ministro esclareceu que, para se aferir a legitimidade passiva da administradora do fundo, é necessário verificar a pertinência da demanda que se pretende ajuizar contra ela — o que não foi demonstrado no caso concreto.
Quanto à legitimidade ativa, o STJ confirmou o entendimento das instâncias inferiores de que, por analogia ao art. 105 da Lei das S.A., exige-se que o autor comprove a titularidade de, no mínimo, 5% das cotas do fundo de investimento para propor ação de produção antecipada de provas visando à exibição de documentos, além de observar os requisitos de pertinência, proporcionalidade, necessidade e adequação.
A decisão do STJ representa um marco relevante para os fundos de investimento, ao reforçar a proteção da sua estrutura e coibir o uso abusivo da produção antecipada de provas como meio de fishing expedition — prática que representa o uso genérico e indiscriminado de solicitação de documentos de forma genérica, ampla e indiscriminada, sem finalidade probatória específica ou concreta, o que deve ser reprimido pelo Poder Judiciário, conforme ressaltado no acórdão.
Por fim, a autora interpôs embargos de divergência contra o acórdão, motivo pelo qual o tema ainda poderá gerar novos desdobramentos. A jurisprudência sobre a produção antecipada de provas para exibição de documentos vem se aperfeiçoando nos últimos anos, mas ainda não se encontra consolidada, de modo que o acompanhamento da discussão é essencial para a compreensão da matéria e, principalmente, para a defesa dos interesses dos fundos de investimento e de seus prestadores de serviço.





