A experiência brasileira com medidas cautelares de reequilíbrio em rodovias: análise da IN 33/2024 da ANTT

O reequilíbrio cautelar, objeto de regulamentação recente, é de grande relevância para reduzir o impacto de eventos de desequilíbrio na equação econômico-financeira das concessões.

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A sustentabilidade econômico-financeira dos contratos de concessão de rodovias é condição essencial para a adequada prestação de serviços. No cenário brasileiro, o constante aperfeiçoamento de instrumentos regulatórios que mitiguem os riscos contratuais e garantam a previsibilidade às partes é necessário para a melhoria da infraestrutura nacional.

Nesse contexto, o Estado de São Paulo, por intermédio da Secretaria de Parcerias em Investimentos (SPI), foi pioneiro na edição da Resolução SPI nº 19/2023, que definiu o procedimento específico para avaliação e implementação de medidas com o objetivo de mitigar cautelarmente os impactos causados por eventos de desequilíbrio econômico-financeiro naqueles contratos sob sua delegação.

A norma pretendeu tratar de um dos temas mais sensíveis e relevantes das concessões de serviços públicos: a recorrente demora para se recompor a equação contratual. Apesar de o art. 9º, §4º da Lei nº 8.987/95 prever que o reequilíbrio deve ser “concomitante” à alteração contratual, a prática revelou um lapso temporal significativo, em geral de vários anos e até mesmo décadas, entre o rompimento do equilíbrio e a sua efetiva recomposição.

Acompanhando o pioneirismo do Estado de São Paulo por meio da SPI, a Agência Nacional de Transporte Terrestres (ANTT) editou recentemente a Instrução Normativa nº 33/2024 (IN nº 33/2024), definindo os procedimentos para tutela do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de rodovias e para a aplicação de medidas mitigadoras de desequilíbrios nos contratos sob sua gestão.

A experiência brasileira do setor de rodovias, portanto, tem avançado na regulação, incorporando práticas de gestão de riscos compatíveis com contratos de longo prazo e pretendendo proporcionar maior estabilidade, segurança jurídica e previsibilidade.

As modalidades das medidas mitigadoras de desequilíbrios econômico-financeiros no âmbito da Instrução Normativa nº 33/2024

A IN nº 33/2024 apresentou um conceito para as medidas mitigadoras de desequilíbrios econômico-financeiros.

Trata-se de “ações temporárias e provisórias, adotadas em regime excepcional, com o objetivo de minimizar os impactos financeiros negativos em contratos de concessão de rodovias, visando recompor, ainda que de maneira transitória, o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.” Ou seja, são instrumentos de natureza cautelar, que não servem para substituir o pleito de reequilíbrio econômico-financeiro, mas permitem respostas mais rápidas para situações críticas.

Além disso, estas possuem caráter excepcional e aplicação restrita, sendo necessária fundamentação técnica e jurídica para que possam ser concedidas.

A partir destes destaques sobre o tema, a IN nº 33/2024 estabeleceu duas hipóteses de medidas mitigadoras de desequilíbrios econômico-financeiros:

  1.  Reequilíbrio Parcial de Natureza Cautelar
    A primeira modalidade consiste no Reequilíbrio Parcial de Natureza Cautelar, que é destinada para as situações em que se identifique a necessidade urgente de mitigação dos impactos financeiros na concessão, mediante medidas que evitem danos maiores ao fluxo de caixa e à prestação dos serviços rodoviários.

    Para que a concessionária tenha direito ao deferimento da medida, a IN nº 33/2024 exige o atendimento de três requisitos cumulativos: (i) a probabilidade do direito alegado pela concessionária; (ii) a existência de risco de dano ou perigo à continuidade e qualidade dos serviços concedidos, caso a medida não seja concedida; e (iii) que seja demonstrado impacto financeiro superior a 2% (dois por cento) da receita tarifária bruta correspondente ao último exercício financeiro auditado da concessionária.

    Por ser medida excepcional, ainda, a sua adoção exige justificativa circunstanciada, devidamente instruída por documentação robusta apresentada pela concessionária.

    O risco de irreversibilidade dos efeitos da medida não consiste em óbice absoluto para o seu deferimento. Nesse caso, a ANTT pode conceder a medida, desde que a concessionária apresente garantia para assegurar a eventual devolução dos valores após a análise final do pleito de reequilíbrio.
  2. Reequilíbrio Parcial Baseado em Evidência
    Por outro lado, a segunda modalidade consiste no Reequilíbrio Parcial Baseado em Evidência, em que a sua aplicabilidade será autorizada quando o direito ao reequilíbrio for incontroverso ou estiver em condições de reconhecimento imediato, permitindo que sejam executadas medidas de recomposição antes que o processo principal tenha decisão final.

    A sua implementação, portanto, será possível quando o valor a ser definido para o reequilíbrio exige um procedimento de maior complexidade, mas desde que a ANTT tenha condições de estimar previamente o valor do reequilíbrio futuro. Ao final do processo, o valor inicial estimado será ajustado para fins de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro.

    Além disso, considerando sua excepcionalidade, o Reequilíbrio Parcial Baseado em Evidência ocorrerá quando: (i) o prazo para apuração definitivo do pleito de reequilíbrio for longo; (ii) o valor do impacto financeiro à concessionária seja significativo; e (iii) seja possível realizar ajustes futuros após a conclusão do processo principal de reequilíbrio.

Procedimento de análise das medidas mitigadoras de desequilíbrio econômico-financeiro

A sistemática do processo para análise das medidas mitigadoras de desequilíbrio econômico-financeiro está disciplinada nos artigos 25 a 30 da IN nº 33/2024.

Para que o processo seja iniciado é necessária a provocação por parte da concessionária, mediante: (i) indicação do tipo de medida pretendida; (ii) comprovação dos requisitos necessários, anexando todos os documentos que entender pertinentes; e (iii) adesão expressa às normas da IN nº 33/2024.

Recebido o pedido e autuado o processo, a Superintendência de Infraestrutura Rodoviária (SUROD) terá o prazo de 60 (sessenta) dias, prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias, para opinar quanto ao deferimento ou indeferimento sumário da medida pleiteada, de forma fundamentada.

Deverá, para tanto, considerar: (i) impacto nas contas da concessionária, incluindo a geração de fluxo de caixa livre negativo, comprometimento de indicadores financeiros ou impacto em dívidas financeiras; (ii) o momento em que o contrato se encontra, em especial quando ainda houver grande volume de investimentos programados; e (iii) continuidade e qualidade dos serviços, avaliando o risco de interrupções ou degradação dos serviços prestados aos usuários.

Após a sua análise, caso esta seja pelo indeferimento, a concessionária tem o prazo de 10 (dez) dias para interpor recurso, competindo à SUROD avaliar eventual reconsideração em até 5 (cinco) dias, antes de encaminhá-lo à instância superior. Mantida a decisão pelo indeferimento, o processo será encaminhado à autoridade competente para decisão final.

Por outro lado, na hipótese de manifestação pelo deferimento da medida, a proposta de deliberação da SUROD deverá conter: (i) descrição do pleito principal de reequilíbrio e o seu andamento atualizado; (ii) cronograma estimado para análise definitiva do pedido; (iii) opinião técnica sobre a medida mitigadora a ser adotada; (iv) valores estimados e forma de implementação do reequilíbrio; e (v) a forma de reversão da medida, caso necessária, e a implementação de ajustes depois que concluído o processo principal de reequilíbrio econômico-financeiro.

Se entender necessário e houver dúvidas relacionadas ao aspecto jurídico, poderá a SUROD realizar consulta à Procuradoria Federal junto à ANTT (PF-ANTT).

Por fim, a IN nº 33/2024 ainda estabelece como limites a impossibilidade de que o processo principal de reequilíbrio econômico-financeiro ultrapasse o prazo máximo de 2 (dois) anos, além da medida mitigadora não resultar em antecipação acima de 80% (oitenta por cento) do valor estimado para o desequilíbrio econômico-financeiro, nem mesmo vir a configurar o recebimento de recursos antes do efetivo impacto financeiro que desequilibre o contrato de concessão.

Perspectivas futuras

Ainda que não houvesse qualquer vedação legislativa e o poder geral de cautela do administrador já autorizar a concessão de reequilíbrios cautelares, a sua regulamentação propicia a utilização do instrumento com maior segurança jurídica e garantia de isonomia entre os vários interessados.

Mais do que permitir respostas pontuais a situações críticas, essas medidas reforçam a maturidade institucional da regulação federal de transportes rodoviários, estruturando um procedimento claro, técnico e controlado para adoção de soluções provisórias. Diante de um cenário de crescente complexidade contratual, a previsibilidade quanto às regras de reequilíbrio e à atuação regulatória para a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro é condição indispensável à atração de investimentos, estabilidade contratual e garantia de atendimento dos usuários.

Com a regulamentação, espera-se a maior utilização dos reequilíbrios cautelares, de modo a se minimizar a relevância da demora dos processos de reequilíbrio como sendo um dos fatores de risco dos contratos de concessão. Um dos temas para os quais há a expectativa de utilização de reequilíbrios cautelares é o da Reforma Tributária, tendo em vista os impactos significativos que a alteração do regime tributário produzirá nos contratos de concessão.

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