A lei geral das agências reguladoras

A recém-publicada Lei Federal nº 13.848/2019 institui novas diretrizes para disciplinar a atuação das agências reguladoras federais.
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Marcos Paulo Ferreira

Advogado egresso

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A Lei Federal nº 13.848/2019, publicada em 26.06.2019, disciplina a gestão, a organização, o processo de decisão e o controle social sobre as agências reguladoras federais, e estabelece diretrizes para o adequado funcionamento dessas entidades. Trata-se da Lei Geral das agências reguladoras federais, que busca maior harmonização na atuação dessas autarquias.

A Lei Federal em pauta, em seu artigo 3º, dispõe de forma expressa acerca das características especiais dessas entidades autárquicas, destacando a ausência de subordinação hierárquica ou de tutela; autonomia funcional, decisória, administrativa e financeira e investidura a termo de seus dirigentes. São aspectos relevantes, necessários a resguardar essas entidades de influências externas, garantindo-lhes uma atuação técnica isenta.

Uma importante inovação nesse sentido trazida por esta Lei (art. 3º, §3º) diz respeito à imposição a que as agências adotem práticas compliance, com vista à promoção de ações e medidas institucionais voltadas a prevenir, detectar, punir e remediar fraudes e atos de corrupção. Trata-se de um reforço à adoção de mecanismos e procedimentos de integridade nas relações com o Poder Público, que já tem sido exigida das empresas contratadas (a exemplo da Portaria n° 877/2018 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, da Lei n° 7.753/2017, do Estado do Rio de Janeiro e da Lei
nº 6.112/2018, do Distrito Federal).

A Lei regula, também, o processo decisório das agências (art. 4º), com expressa imposição a que seja observada a adequação entre meios e fins, vedada a imposição de obrigações, restrições e sanções além do que for necessário para o atendimento ao interesse público. Trata-se de garantir a aplicação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

Tais princípios, inerentes ao devido processo legal (art. 5º, LIV , da Constituição Federal), explicitamente previstos no art. 2º, caput, da Lei Federal nº 9.784/99, que regula o processo administrativo em âmbito federal, recebem um importante reforço, somando à recente inclusão na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro – LINDB da exigência de demonstração da adequação de medida que venha a ser imposta ao administrado (art. 20, parágrafo único). Busca-se, com isso, evitar excessos por parte dos reguladores.

Também em reforço à recente alteração da LINDB, a Lei das Agências impõe a motivação do processo decisório, ao determinar que os pressupostos de fato e de direito que resultarem nas decisões da agência sejam indicados.

Outra importante inovação trazida por esta Lei se refere à criação da Análise de Impacto Regulatório – AIR. Esse instrumento tem por objetivo antecipar, através de dados e informações, os possíveis efeitos de um ato normativo a ser adotado pela agência. Desse modo, o caput do art. 6° determina que, quando da adoção ou alteração de um ato normativo que atinja os interesses gerais de agentes econômicos, consumidores e usuários dos serviços regulados, estas devem ser precedidas da realização de uma AIR.

Trata-se de dar maior concretude ao chamado consequencialismo, constante do art. 20, caput, da LINDB, que veda que as decisões exaradas nos âmbitos administrativo, de controle e judicial se apoiem em valores jurídicos abstratos, ignorando as consequências práticas da deliberação. Maiores detalhamentos sobre a AIR, porém, ficaram para o decreto regulamentador da Lei e para o regimento interno de cada agência.

Afora a submissão ao AIR, as minutas e as propostas para alteração de atos normativos que sejam de interesse geral dos agentes econômicos, dos consumidores e dos usuários dos serviços regulados devem ser submetidas à consulta pública, viabilizando o controle social.  Tal determinação soma-se ao disposto no art. 29, caput, da LINDB, que abre a possibilidade de que a edição de atos normativos administrativos seja precedida de consulta pública, a qual deverá ser considerada quando da decisão de edição da norma.

A Lei institui que as reuniões deliberativas da Diretoria da agência sejam públicas e gravadas em meio eletrônico. A previsão do § 2° do art. 8º garante aos administrados maior previsibilidade na atuação as agências, ao determinar que matérias que não tenham sido divulgadas no site das agências, com ao menos três dias úteis de antecedência, não poderão ser deliberadas pela diretoria colegiada.

Relevante aspecto instituído pela Lei em questão se refere à diretriz de harmonização da atuação das agências com outras agências, como também com órgãos de defesa da concorrência, dos consumidores e do meio ambiente.

Trata-se de importante diretriz com vistas à harmonização da atuação de importantes stakeholders. Essa interação já era percebida em casos concretos, a exemplo da atuação coordenada entre a Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP e  o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, objetivando a abertura do mercado de gás. Com a nova Lei, a atuação coordenada desses atores passa a ser contemplada e incentivada de modo expresso pelo ordenamento.

De modo geral, tal lei possibilita maior estabilidade e transparência na atuação das agências reguladoras, ao tempo em que confere aos investidores dos setores regulados, mormente, os empreendimentos em infraestrutura – mais do que nunca, tão necessários ao desenvolvimento econômico e humano do País – a devida segurança jurídica quanto à atuação regulatória a que se sujeitam. A aplicação dessa nova normativa deve ser acompanhada de perto para que os seus resultados sejam efetivos e benéficos, não apenas àqueles diretamente regulados pelas agências, mas à sociedade como um todo.

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