No meio comercial, é comum que sociedades empresárias licenciem o uso de suas marcas para outras empresas. Essa é uma prática adotada tanto por grandes companhias quanto por empreendedores emergentes.
Com uma rápida olhada no mercado, já se nota que nem todo produto ou serviço que ostenta uma marca é, necessariamente, fabricado ou comercializado pela titular do registro. Há uma lógica econômica por trás disso – seja pelo pagamento de royalties ou mesmo pela consolidação e divulgação da marca.
Para viabilizar o licenciamento, os interessados devem celebrar um contrato de licença para uso de marca, como prevê o art. 139 da Lei de Propriedade Industrial (Lei n.º 9.279/1996). De um lado, figura o licenciante (titular da marca, que manterá essa qualidade); do outro, o licenciado (que explorará a marca sem deter a titularidade). A essência é a mesma das licenças de patentes e desenhos industriais.
O contrato deve individualizar a marca, indicar o número do pedido ou registro e estabelecer a duração, forma e abrangência do uso (incluindo aspectos como a territorialidade e a especificidade). Também pode tratar da exclusividade da licença, permitir o sublicenciamento e atribuir poderes para o licenciado agir na defesa da marca.
O licenciamento pode ser gratuito ou oneroso (sendo que, para o pagamento dos royalties, a concessão do registro da marca é indispensável). Em qualquer caso, o licenciante pode exercer o controle sobre a natureza e qualidade dos produtos ou serviços.
Apesar de certas semelhanças, a licença do uso de marca não se confunde com o contrato de franquia. A franquia tende a ser mais abrangente (pois envolve não apenas a marca, mas o próprio modelo de negócios desenvolvido pelo franqueador) e mais rígida, exigindo treinamentos e suporte contínuo – embora também seja usual a definição de procedimentos básicos por parte do licenciante da marca.
Para que produza efeitos perante terceiros, o caput do art. 140 da Lei de Propriedade Industrial impõe a averbação do contrato de licença no INPI. Ao mesmo tempo, no entanto, o § 2º do dispositivo afasta tal exigência quando se trata da comprovação sobre o uso da marca.
E é aí que surge a seguinte situação: o licenciado, sem a averbação do contrato de licença, se depara com a exploração indevida da marca por terceiro não autorizado, que lhe desvia a clientela.
Nesse cenário, fica a questão: poderá o licenciado adotar medidas judiciais para inibir a infração? Ou dependerá exclusivamente da atuação do titular da marca?
É possível sustentar, a partir de uma visão engessada, que o licenciado estaria impedido de acionar judicialmente o infrator, podendo apenas fornecer subsídios para a iniciativa do licenciante (criando, assim, uma relação de dependência).
A resposta, todavia, deve caminhar por outro lado – e ela passa pelo exame da concorrência desleal.
Embora a conceituação ainda gere certos debates, o art. 195 da Lei de Propriedade Industrial define as hipóteses que configuram a prática da concorrência desleal. Para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ela se caracteriza pela utilização de meios desonestos para o desvio de clientela e o empobrecimento do concorrente (como se extrai do REsp n.º 1.937.989/SP). A exploração de marca sem autorização, certamente, está inserida nesse raciocínio.
Assim, se o licenciado esbarrar na concorrência de terceiro que explore indevidamente a marca objeto da licença, deve-lhe ser assegurada a propositura de ações judiciais para inibir, remover e indenizar a prática do ilícito. Para tanto, não se deve exigir a averbação do contrato junto ao INPI, tampouco a exclusividade de uso do licenciado ou a autorização expressa do titular para a defesa da marca.
Trata-se de uma hipótese de legitimação ordinária: o licenciado não atua em nome do titular, mas em defesa de seu próprio interesse, como parte autorizada para explorar a marca licenciada.
Esse entendimento tem se consolidado no Poder Judiciário, especialmente no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP), em que a jurisprudência reconhece o direito de o licenciado demandar em juízo contra o concorrente desleal (como se deu no Agravo de Instrumento n.º 2203861-39.2024.8.26.0000).
E, de fato, tal orientação deve prevalecer. Afinal, independentemente de averbação, exclusividade ou autorização, é certo que o licenciado não pode ficar de mãos atadas – pois, ao final do dia, é sobre ele que recai o prejuízo decorrente da atuação desleal no mercado em que está inserido.