A pandemia do Covid-19 afetou diretamente o setor empresarial gerando um crescimento de pedidos de recuperação judicial. Segundo apontamentos do Serasa Experian, enquanto no mês de março de 2020 apenas 82 empresas requereram a recuperação judicial, em abril os números já cresceram para 120. Ao final do ano, somou-se mais de 1000 pedidos judiciais de recuperação.
Apesar da recuperação judicial ter a finalidade de permitir que empresas em crise obtenham um maior tempo para se reorganizarem financeiramente, quando requerida judicialmente, a medida acaba se tornando muito onerosa para o devedor. Isso porque o devedor terá que custear com honorários do administrador judicial, além de custas processuais.
Mas há alternativa à recuperação judicial. A Lei nº 11.101/2005 sofreu relevante alteração em 2020, aprimorando a modalidade extrajudicial da recuperação. Um verdadeiro injetor de ânimo e de superação das dificuldades, capaz de dar às empresas o título heroico, por conseguirem, mesmo diante da crise, não fechar as suas portas.
Ao contrário da recuperação judicial, a extrajudicial é mais célere, mais simples e, certamente menos custosa para o devedor em crise. É uma ferramenta alternativa e prévia à recuperação judicial, permitindo a negociação de maneira direta e extrajudicial da empresa devedora com seus credores, submetendo, por fim, o acordo a homologação judicial.
A verdade é que, se comparados com a formalidade e a demora das ações judiciais, os acordos realizados extrajudicialmente, além de possuir uma maior rigidez e vantagens, permitem ao devedor perante os credores selecionados melhores condições de pagamento.
Diferentemente da recuperação judicial, esta espécie de recuperação possui algumas peculiaridades que a tornam menos burocrática. A possibilidade de um maior espaço para a autonomia privada na celebração de acordos permite que o plano de recuperação seja celebrado apenas com alguns credores, sem que isso afete a composição com as demais classes para quitação das dívidas.
Todavia, importante observar que, apesar de a medida ser eficiente, a lei impõe certos requisitos para sua aplicação, como por exemplo: i) a necessidade de a empresa estar no exercício regular de atividade há mais de 02 anos; ii) não ter pedido de recuperação judicial pendente, entre outros.
Para a recuperação extrajudicial há outras exigências que, conforme o artigo 161 e seguintes da Lei n.º 11.101/2005, devem ser observadas de forma cumulativa com o artigo 48, que trata dos legitimados para a recuperação. A medida deve estar alicerçada no princípio da igualdade de tratamentos entre credores, respeitando preferências; ao princípio da lealdade que está atrelado à boa fé e, por último, ao princípio da preservação da empresa, que visa a manter a função econômico-social por ela exercida.
Apesar do total de recuperações extrajudiciais ser inferior, se comparadas com as judiciais, a medida se mostra eficiente. Um exemplo disso é a TECIS Tecnologia e Sistema Avançados S.A, que atualmente se consolidou como uma das principais fornecedoras de pás para o setor de energia eólica do mundo, com mais de 51.000 pás instaladas mundialmente. A empresa mencionada requereu, em 2017, a homologação de pedido de plano de recuperação extrajudicial com dívidas que chegavam ao montante de R$ 770.854.505,42. O processo n° 1096653-48.2017.8.26.0100, que tramitou perante a 2ª vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo, teve a homologação do plano em setembro de 2018, evitando, assim, o encerramento das suas atividades no País.
O interessante é que a atual redação da ei nº 11.101/2005 permite a inclusão do credor trabalhista, desde que existente negociação coletiva com o sindicato da competente categoria profissional. Antes tal medida era permitida apenas para a recuperação judicial, o que impossibilitou que a TECIS incluísse os credores trabalhistas no plano de recuperação extrajudicial.
De todo modo, em uma análise geral, a recuperação extrajudicial possui vantagens que a judicial não oferece. As alterações trazidas pela Lei n.º 14.112/2020 mostram isso.
Recuperação Extrajudicial | Recuperação Judicial |
• Negociação do seu passivo diretamente com um ou mais grupos de credores. • Aprovação do plano de recuperação, por pelo menos 3/5 dos credores, observado o parágrafo 7° do art. 163 da Lei de Falências. • Proteção do Stay Period, que antes só tinha previsão legal para a recuperação judicial, o que acabava mitigando a recuperação extrajudicial. • Permissão à sujeição de créditos de natureza trabalhista a acidentária. | • Nomeação de administrador judicial de confiança do juízo responsável pela comunicação com os credores. • Vinculação de prazos para impugnações dos credores ao plano. • Aplicabilidade do Stay Period pelo prazo de 180 dias, prorrogável por igual período. • Subordinação à morosidade do Poder Judiciário. • Monitoramento do administrador judicial, com prestação de contas periódicas ao poder judiciário, por dois anos. |
Certo é que o instituto da recuperação extrajudicial é facultado a empresários individuais e sociedades empresárias, não se estendendo a empresas públicas e sociedades de economia mista, por exemplo. Ademais, nem todos os créditos podem ser objeto de contrato, estando excluídos os créditos de natureza tributária, os que são decorrentes de adiamento a contrato de câmbio para exportação ou aqueles previstos no parágrafo 3° do art. 49 da lei 11.101/2005.
De maneira geral, as vantagens da recuperação extrajudicial são evidentes, mas sua utilização deve ser observada caso a caso, por meio de assessoria jurídica empresarial especializada. Acertada sua utilização, será permitido à empresa em recuperação uma retomada lucrativa e muito menos custosa, equilibrando o interesse dos envolvidos e reinserindo-a com fôlego para a retomada de suas atividades econômicas.