A regionalização dos serviços de resíduos sólidos: instrumentos jurídicos e o caso de Goiás

Microrregiões de resíduos sólidos como instrumento jurídico para integração, planejamento e regulação eficiente aos titulares de serviços

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A gestão eficiente dos resíduos sólidos urbanos (RSU) é um dos grandes desafios da política pública brasileira de saneamento básico. A fragmentação institucional, os entraves econômicos e a carência de infraestrutura dificultam a universalização do serviço e exigem soluções integradas, juridicamente sólidas e tecnicamente viáveis. Nesse sentido, a adequada organização desses serviços é essencial para o encerramento dos lixões ainda existentes, a implementação de soluções integradas de destinação final ambientalmente adequada, e o fomento de políticas estruturadas de redução, reutilização e reciclagem, em linha com os princípios da sustentabilidade e da responsabilidade compartilhada.

Historicamente, a integração dos serviços de RSU se deu a partir da celebração de pontuais consórcios públicos, mas, ainda assim, a maioria desses serviços se mantém municipalizados, perpetuando os desafios de soluções voltadas à universalização. Nesse cenário, a regionalização da prestação dos serviços públicos de RSU, prevista na Lei nº 11.445/2007, com as alterações introduzidas pela Lei nº 14.026/2020, apresenta-se como caminho indispensável para enfrentar tais desafios, especialmente no que tange à integração e à uniformização do planejamento e da regulação. A nova configuração legal do setor, introduzida pelo marco legal do saneamento, trouxe à tona o imperativo da prestação regionalizada como requisito para o acesso a recursos federais. A regionalização pode ocorrer por meio da constituição de microrregiões, regiões metropolitanas, aglomerações urbanas, unidades regionais instituídas por lei estadual com base em estudo de viabilidade técnica e econômica, ou blocos de referência definidos por decreto federal.

Ao prever essas formas de regionalização, o legislador reconheceu a necessidade de racionalização do sistema, visando ampliar a escala de atendimento, distribuir custos de forma mais equitativa, viabilizar a contratação de operadores qualificados e, sobretudo, garantir a uniformização do planejamento e da regulação — metas difíceis de alcançar em sistemas pulverizados. A regionalização, portanto, traduz-se em estratégia jurídica que concilia ganhos de escala, segurança jurídica e governança compartilhada.

Nesse contexto, o Estado de Goiás desponta como referência nacional pela adoção de modelo normativamente robusto de regionalização, alinhado ao novo marco legal. Por meio da Lei Complementar Estadual nº 182/2023, Goiás instituiu três Microrregiões de Saneamento Básico, organizadas a partir de critérios técnicos, geográficos e socioeconômicos. A peculiaridade do modelo goiano está em não se limitar aos serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário, abrangendo também, de forma expressa e inédita, os serviços de manejo de resíduos sólidos urbanos, reconhecendo-os como de interesse comum dos municípios que integram cada microrregião.

Por se tratar de regionalização por microrregiões, nos termos do art. 25, §3º, da Constituição Federal, a adesão dos municípios é compulsória, afastando a voluntariedade aplicável, por exemplo, às unidades regionais ou blocos de referência. Essa compulsoriedade, no entanto, não compromete a autonomia municipal, mas a reposiciona em um novo paradigma de governança colaborativa, por meio de colegiados interfederativos, nos quais os entes participam das deliberações estratégicas sobre regulação, planejamento e prestação dos serviços.

Esses colegiados são instâncias de governança compartilhada, compostas por representantes do estado e dos municípios, com competências deliberativas sobre o plano microrregional de saneamento, normas regulatórias, metas de universalização, tarifas e modelo de prestação dos serviços. Essa estrutura assegura participação democrática dos entes e reforça os princípios constitucionais da cooperação e da eficiência administrativa.

O modelo goiano, ao reconhecer os resíduos sólidos como objeto de interesse comum, viabiliza o enfrentamento de obstáculos históricos de pequenos municípios — como ausência de infraestrutura para aterros sanitários ou sistemas de coleta seletiva — por meio da integração regional e da uniformização de soluções técnicas e econômicas. Além disso, permite a padronização da regulação e racionalização de custos, favorecendo a sustentabilidade econômico-financeira dos serviços e atraindo investimentos públicos e privados.

Assim, a regionalização adotada por Goiás representa um marco jurídico e institucional inovador, que fortalece a governança federativa e oferece modelo replicável a outros entes. A utilização das microrregiões como instrumento de integração e a incorporação dos serviços de resíduos sólidos ao escopo regional demonstram que é possível combinar escala, eficiência e respeito à autonomia local dentro de um arranjo jurídico equilibrado.

A experiência goiana revela que o futuro da gestão de resíduos sólidos urbanos passa pela superação do paradigma fragmentado, com atuação coordenada entre entes federados, orientada por critérios técnicos e sustentada por instrumentos legais que garantam estabilidade, legitimidade e eficiência à prestação dos serviços essenciais.

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