Acidentes provocados por animais em rodovia: de quem é a responsabilidade por danos?

Compreenda a discussão sobre a responsabilidade das empresas concessionárias de rodovias por acidentes causados por animais na pista.
Luciana-Carneiro-de-Lara

Luciana Carneiro de Lara

Advogada egressa

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Os usuários de rodovias frequentemente se deparam com um problema recorrente: as péssimas condições das pistas. Isso porque nem sempre os entes da federação conseguem prestar um serviço adequado aos usuários, muitas vezes, por insuficiência de recursos públicos. Assim, a fim de otimizar o serviço a ser prestado, é comum que ocorra a concessão do serviço público.

O sistema de concessão consiste na transferência da administração de uma rodovia para uma empresa privada (concessionária) por tempo determinado. Essa transferência se dá por meio de um contrato de concessão (modalidade de licitação). Ao governo cumpre estabelecer quais são as responsabilidades da concessionária, ao passo que a concessionária poderá cobrar tarifas dos usuários (pedágio) ou receber compensação do poder público pelos serviços prestados.

Decorre daí que tal transferência gera responsabilidades.

A responsabilidade civil do Estado, prevista no art. 37, parágrafo 6º da Constituição Federal, é objetiva, isto é, independe de contrato e enseja a obrigação de indenizar danos causados a terceiros. No entanto, a questão a ser enfrentada consiste na responsabilidade das empresas privadas prestadoras de serviços públicos, mais especificamente as concessionárias de rodovias.

Nesse particular, é possível afirmar que essa transferência de serviços está regulamentada pela Lei n.º 8.987/95, segundo a qual as concessionárias assumem a responsabilidade objetiva de reparar os danos causados. O Estado, por sua vez, responde por eventuais danos causados pelas concessionárias de forma subsidiária.

Portanto, as empresas encarregadas de executar atividades de competência do Estado, tal como as concessionárias de rodovias, são responsabilizadas pelos possíveis danos causados a terceiros. Trata-se da responsabilidade objetiva da pessoa prestadora de serviços públicos, cujo dever de reparar o dano independe da demonstração de culpa. Tal responsabilidade decorre da Teoria de Risco Administrativo, a qual tem por pressuposto o risco inerente à atividade exercida.

O dever de indenizar, contudo, não é absoluto, podendo ser afastado em algumas hipóteses, a exemplo da culpa exclusiva da vítima, caso fortuito e força maior.

Dentro dessa perspectiva, uma situação bastante corriqueira é a responsabilidade da concessionária por acidente de trânsito causado com animais soltos na pista de rolamento. A dúvida reside em saber se a responsabilidade é objetiva ou subjetiva, à luz do Código de Defesa do Consumidor (Lei n.º 8.078/1990) e da Lei das Concessões (Lei n.º 8.987/1995).

De forma bastante resumida, a responsabilidade civil pode ser objetiva ou subjetiva. É objetiva quando prescinde do elemento subjetivo culpa, diante do risco assumido pelo agente causador do dano. Por outro lado, a responsabilidade subjetiva enseja o dever de indenizar desde que presentes os quatro requisitos:
a) ato ilícito, em razão de ação ou omissão do agente; b) culpa; c) dano e d) nexo causal entre a conduta ativa ou omissiva e o dano.

Uma corrente defende que o acidente causado pela colisão de veículo com animal na pista é uma falha na prestação do serviço (ótica consumerista), bem como uma violação ao dever da concessionária de prestar serviço adequado (dever de vigilância e omissão estatal). Para os defensores dessa tese, haveria, no caso, negligência, diante do dever estatal de vigilância ostensiva e adequada, a fim de proporcionar segurança aos que trafegam pela rodovia.

De outro lado, uma segunda corrente afasta a aplicação irrestrita da teoria da responsabilidade objetiva. Os partidários dessa teoria defendem que o controle de acesso de animais na pista é uma medida inviável à concessionária, pois não há como controlar todos os terrenos marginais das rodovias, restando caracterizada a imprevisibilidade do evento danoso.

A ideia da ineficiência do serviço estaria fundada em um pressuposto equivocado, portanto, a configuração da responsabilidade objetiva. No caso, a responsabilidade civil por omissão seria subjetiva. Para haver a responsabilidade da concessionária seria imperioso apurar (i) a previsibilidade do evento danoso; (ii) a possibilidade de se adotar providências aptas a evitar o acidente; e (iii) a ausência da adoção de eventuais medidas cabíveis. Somente no caso de resposta positiva a todas essas indagações, poderia se admitir a responsabilidade da concessionária.

A controvérsia é tamanha que a questão foi levada aos Tribunais Superiores e é objeto do Tema Repetitivo n.º 1122, cuja questão submetida a julgamento reside na “a) responsabilidade (ou não) das concessionárias de rodovia por acidente de trânsito causado por animal doméstico na pista de rolamento; e (b) caráter objetivo ou subjetivo dessa responsabilidade à luz do Código de Defesa do Consumidor e da Lei das Concessões”.

A referida afetação acarretou na suspensão de todos os recursos especiais e agravos em recursos especiais sobre o tema, cujo julgamento ainda não foi concluído. A finalidade do referido procedimento consiste em definir uma tese a ser aplicada a todos os processos em que se discuta idêntica questão de direito. Assim, em última análise, serão definidos os contornos da responsabilidade das concessionárias em todos os casos desta natureza, pacificando a controvérsia.

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