Uma das principais tendências recentes em concessões rodoviárias e que certamente influenciarão o futuro do setor diz respeito às repactuações dos contratos. Também apresentada sob a terminologia de “renegociações”, “adaptações” ou “otimizações contratuais”, as repactuações são processos de ampla modificação de contratos de concessão vigentes. Nos últimos anos, essa tendência tem se materializado principalmente em concessões rodoviárias federais, com significativas alterações implementadas sobre contratos celebrados entre a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) e concessionárias, com ativa participação do Tribunal de Contas da União (TCU).
A política pública de repactuações se desenvolveu principalmente para remodelar e otimizar os chamados “contratos estressados”. Nesse sentido, as repactuações de concessões rodoviárias federais foram impulsionadas principalmente por dificuldades financeiras e de performance enfrentadas pelas empresas concessionárias, que se viam impedidas de executar as obrigações de investimentos fixadas pelo Programa de Exploração de Rodovia (PER) de cada contrato e de atender aos seus respectivos indicadores de qualidade. Para resolver esse impasse, diversas empresas buscaram a alteração de seus contratos, com o objetivo de alcançar acordos que possibilitassem a aceleração de obras e evitassem maiores prejuízos aos usuários da rodovia.
Quais são as possíveis vantagens das repactuações diante das alternativas tradicionais?
Para contratos de concessão em crise, a repactuação pode apresentar vantagens significativas em comparação a alternativas tradicionais – como a relicitação ou a própria declaração de caducidade do contrato pelo poder concedente.
A primeira dessas vantagens relaciona-se com a possibilidade de uma resolução mais célere dos problemas. Diferentemente da relicitação – que exigiria a conclusão dos contratos vigentes, a resolução do passivo anterior e a instauração de novo processo licitatório – ou da declaração de caducidade – que deve ser precedido de processo administrativo, que assegure ampla defesa e contraditório em favor da concessionária –, a repactuação permite uma imediata retomada na execução de investimentos e de demais obrigações relevantes para o contrato. Com isso, há maior incentivo à retomada na execução de obras que sejam relevantes para a Administração Pública e para os usuários do trecho.
Outra vantagem que pode decorrer da repactuação se refere à maior adesão dos envolvidos à solução construída. Uma vez que a repactuação pressupõe o comum acordo entre as partes, o arranjo cria incentivos em torno do cumprimento do novo quadro de obrigações. Além disso, por partir de uma relação de consensualidade, com soluções mais alinhadas aos interesses das partes, as repactuações potencialmente também mitigam eventual litigiosidade entre as partes – reduzindo, portanto, os custos de transação.
Ademais, uma terceira vantagem possível é a obtenção de tarifas de pedágio potencialmente menores em comparação às que seriam praticadas em caso de nova licitação. Ao introduzir modificações a um contrato existente, a repactuação busca aproveitar o arcabouço vigente e válido, em detrimento de substituir por uma relação contratual com um novo prestador. Como consequência, a repactuação pode evitar soluções de continuidade: ainda que o contrato seja amplamente modificado e com a possibilidade de modificação do operador, a repactuação evita interrupções e atrasos nos projetos de investimento em andamento.
Como as repactuações foram realizadas até aqui?
As repactuações das concessões rodoviárias federais em realização seguem um conjunto de regras e procedimentos previstos na Portaria nº 848/2023 do Ministério dos Transportes. A normativa, responsável por delimitar diretrizes e premissas para pedidos de adaptação contratual, detalha o passo a passo a ser observado no processamento das repactuações. De acordo com o fluxograma de trabalho estabelecido pela Portaria, as concessionárias interessadas deveriam apresentar seus pedidos de adaptação até dezembro de 2023, acompanhados de estudos que demonstrassem a vantajosidade da repactuação contratual, observado um conjunto de premissas (art. 3º). Esses dados seriam apreciados pelo Ministério dos Transportes e pela ANTT, que avaliariam a pertinência da adaptação contratual e sua aderência às políticas públicas do setor, e posteriormente submetidos à apreciação do TCU (art. 12).
No último ano, diversas repactuações de concessões rodoviárias federais foram devidamente aprovadas pelas instâncias responsáveis e estão prestes a serem materializadas. A título exemplificativo, recentemente, as concessionárias Eco101 e MSVIA tiveram suas propostas de otimização contratual devidamente aprovadas pelo TCU – órgão que assumiu protagonismo nas tratativas da repactuação por meio Secretaria de Controle Externo de Solução Consensual e Prevenção de Conflitos (SecexConsenso). As medidas foram aprovadas, principalmente, pela ineficácia das demais alternativas, pelo interesse público na continuidade do serviço e na antecipação de investimentos e pela ampla modernização promovida sobre esses contratos.
Quais são as futuras perspectivas para as repactuações contratuais?
Para as repactuações que já foram aprovadas pelas instâncias competentes, as concessionárias divulgaram seus respectivos Editais de Processo Competitivo. Por meio de uma espécie de processo licitatório simplificado para alienar 100% (cem por cento) das ações representativas de seu capital, as concessionárias oferecem ao mercado a possibilidade de apresentação de propostas econômicas de empresas que tenham o interesse de assumir o contrato nos moldes repactuados com supervisão do TCU. Uma vez selecionada a melhor proposta, a nova controladora deverá prestar todas as garantias necessárias à assunção do projeto, com a celebração de termo aditivo que formalizará a transferência do controle acionário da SPE concessionária e a repactuação do contrato de concessão.
Nesse sentido, os Processos Competitivos instaurados pelas concessionárias MSVIA e Eco101 estão com prazo em aberto, com previsão de entrega de envelopes pelos proponentes interessados em 19/05/2025 e 25/06/2025, respectivamente.
Na sequência das repactuações que aguardam o desfecho do processo competitivo, algumas concessões rodoviárias federais deverão passar por esse processo em breve. Recentemente, em março de 2025, o TCU aprovou acordo de repactuação com a Autopista Fluminense, concessionária da rodovia Régis Bittencourt (BR-116 entre São Paulo e Curitiba), com um potencial de investimento de até R$ 10 bilhões e uma extensão do contrato por mais oito anos.
Além dessas, outras dez concessionárias de rodovias federais haviam solicitado ao Ministério dos Transportes algum tipo de repactuação contratual, as quais ainda aguardam a aprovação do Tribunal de Contas da União. De acordo com o Governo Federal, caso aprovadas, as repactuações podem destravar um montante expressivo de R$ 110 bilhões em investimentos para melhorias nas estradas nos próximos anos. Tais medidas possibilitarão a retomada de obras que estavam paralisadas ou em ritmo lento, impulsionando o desenvolvimento da infraestrutura nacional.
Esses exemplos indicam que o processo de repactuação continua sendo uma prioridade para o governo e para as concessionárias, com o objetivo de destravar investimentos e melhorar a infraestrutura rodoviária do país.