Discussões sobre a possibilidade e a extensão da dedução de materiais da base de cálculo do Imposto Sobre Serviços na Construção Civil tramitam no Poder Judiciário há muitos anos. A origem da controvérsia está essencialmente situada em dois aspectos. O primeiro é a interpretação da lei federal de regência do tributo — LC 116/2003 —, que, a um só tempo, preceitua que os materiais fornecidos pelo prestador de serviços não se incluem na sua base de cálculo (aspecto amplo de dedutibilidade), além de que excetua da base somente o fornecimento de mercadorias produzidas pelo prestador de serviços fora do local da prestação dos serviços, porque são sujeitas ao ICMS (aspecto restrito de dedutibilidade). O segundo aspecto diz respeito à multiplicidade de normatização dada ao tema pelos municípios. Dentro de suas esferas de competência legislativa, as milhares de prefeituras criam normas regulamentares sobre as deduções de materiais, estabelecendo critérios, requisitos e procedimentos, ampliando ou restringindo as categorias dedutíveis.
Apesar da longa controvérsia, houve uma certa maturação da jurisprudência que, há pelo menos 15 anos, consolidou o entendimento de que os materiais fornecidos pelo Construtor poderiam ser excluídos da base do ISS. Dentro do conceito de “materiais fornecidos”, os tribunais estaduais firmaram entendimento de que se tratavam dos materiais adquiridos de terceiros e aplicados na obra de forma definitiva, conforme os ditames da legislação do local da obra. Em sincronia, os municípios aperfeiçoaram suas leis, procedimentos e sistemas internos para disciplinar e operacionalizar esta dedução de materiais. Fato é que, apesar de trabalhosa e complexa, a prática de se desonerar materiais e tributar serviços se incorporou ao processo de formação de preços no segmento da Construção Civil, em seus mais diversos aspectos de atuação.
Em 2020, o cenário da jurisprudência sofreu uma alteração sensível após pronunciamento do Superior Tribunal de Justiça (AgInt no AREsp 2486358/SP), que, a propósito de “restabelecer jurisprudência anterior”, atribuiu interpretação restritiva aos dispositivos da legislação do ISS. Na decisão, a Corte admitiu como dedutíveis da base do ISS somente os materiais produzidos pelo prestador fora do canteiro da obra e por ele comercializados ao tomador, com incidência de ICMS. A mudança no critério interpretativo, apesar de não ter se dado em recurso representativo de controvérsia, foi suficiente para motivar inúmeros municípios a alterarem as regras internas de dedutibilidade de materiais.
Esta alteração de critério interpretativo da legislação do ISS gera, além do evidente aumento da carga tributária, reflexos em muitas esferas econômicas, jurídicas e sociais.
A indústria da Construção Civil compreende uma gama ampla de serviços que envolve desde o setor primário até o terciário da economia, e, sendo assim, os efeitos do aumento da carga tributária repercutem de forma direta nos preços praticados e nos índices econômicos.
Em paralelo, é preciso destacar como aspecto relevante o cenário de insegurança jurídica instaurado pela modificação abrupta da jurisprudência. Isso ocorre porque não há uniformidade na posição dos municípios quanto à alteração dos critérios de dedutibilidade do ISS. Alguns municípios, como Porto Alegre, interpretaram a modificação do tratamento legal da dedutibilidade do ISS como uma forma de evitar renúncia de receitas com a manutenção de uma norma tida como permissiva. Na capital gaúcha, o imposto teve a alíquota reduzida de 4% para 2,5% como uma forma de compensação da ampliação da base. Já Curitiba e São Paulo, por exemplo, editaram normas procedimentais restritivas da dedutibilidade.
Indo além, poderia se cogitar a pretensão dos municípios em reaver dos prestadores de serviço o tributo incidente sobre valores deduzidos no passado. Embora pouco provável, não é uma hipótese a ser descartada.
Do ponto de vista dos players da Construção Civil, o atual cenário impõe uma análise dos contratos vigentes e futuros quanto à viabilidade e sustentabilidade da assimilação das mudanças na tributação do ISS, paralelamente ao estudo de alternativas de planejamento da operação.
Nos contratos particulares vigentes, além da repactuação do preço, por exemplo, poderia se estudar opções de faturamento direto de materiais para o contratante para reduzir a base tributável como uma empreitada parcial, ou mesmo a agregação da atividade comercial ao objeto social, a fim de atender aos novos critérios impostos pela jurisprudência. Já nos contratos públicos, é possível estudar o tratamento avençado para o evento da modificação do critério de incidência tributária. Dependendo de como for a disciplina do contrato e da repercussão deste aumento imprevisível na sua equação econômico-financeira, pode haver substrato para um pleito de reequilíbrio.
O momento pede planejamento e cautela, especialmente pela iminência da implementação das alterações promovidas pela Reforma Tributária, que serão particularmente sensíveis ao setor da Construção Civil.