Síntese
A decisão do STJ privilegia a autonomia da vontade das partes contratantes na gestão de riscos e considera aspectos como o prazo de vigência do contrato, a inexistência de hipossuficiência entre as partes envolvidas e os benefícios mútuos decorrentes da relação contratual.
Comentário
As empresas Hewlett-Packard Brasil Ltda. (HP) e RC Sistemas Ltda. (RC) celebraram Contrato de Distribuição, por meio do qual a segunda, por intermédio de uma linha de crédito disponibilizada pela primeira, comprava, com desconto, equipamentos de informática, revendendo-os para terceiros com uma certa margem de lucro.
Após 20 anos de relação contratual, a empresa RC ajuizou ação de indenização por danos materiais e morais face à HP, alegando o cometimento de diversos abusos e alterações unilaterais nas condições contratuais por parte desta, as quais teriam por único e exclusivo objetivo aumentar os seus lucros em prejuízo da RC.
Em primeiro e em segundo grau a ação de indenização foi julgada procedente, mas o tema principal da controvérsia passou a ser a validade da cláusula do contrato celebrado entre as partes, que limitava o pagamento de indenizações decorrentes da relação contratual ao valor de US$ 1.000.000,00, à cotação oficial da moeda nacional ao tempo da liquidação dos danos.
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP), além de reconhecer como abusivas as práticas adotadas pela HP, afastou a aplicação da cláusula contratual, determinando o ressarcimento integral dos danos comprovadamente perpetrados pela HP.
Como fundamento para o afastamento da aplicação da cláusula limitativa de responsabilidade, o TJSP considerou que a referida cláusula teria o potencial de gerar o enriquecimento ilícito da HP, que ficaria desobrigada de ressarcir integralmente os prejuízos por ela causados.
Ao apreciar o Recurso Especial n.º 1.989.291 – SP interposto pela HP, o STJ reformou a decisão do TJSP, decidindo pela validade e aplicabilidade da cláusula de limitação da responsabilidade no caso concreto. De acordo com a Corte Superior, apesar de não constar expressamente na legislação brasileira, a cláusula de limitação de responsabilidade tem sido aceita pelos tribunais em respeito à autonomia da vontade das partes.
A referida cláusula tem por função, quando as partes assim o desejam, mitigar a previsão constante no art. 944 do Código Civil, segundo o qual “a indenização mede-se pela extensão do dano”. Assim, por meio da cláusula de limitação de responsabilidade, as partes podem contratar que eventuais prejuízos causados por uma delas no escopo do contrato apenas serão ressarcidos nos limites fixados, deixando de prevalecer, nestes casos, a regra da indenização equivalente aos danos sofridos.
Além de declarar a validade das cláusulas dessa natureza em contratos celebrados entre pessoas jurídicas, em condição de equilíbrio entre si, na fundamentação do acórdão o relator ressaltou que o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 51, inc. I, também autoriza a previsão de cláusulas limitativas de responsabilidade nos casos em que o consumidor for pessoa jurídica.
Entretanto, restou estabelecido que, apesar de, em regra, serem válidas as cláusulas limitativas de responsabilidade, elas podem ser declaradas nulas quando: (i) violarem norma de ordem pública; (ii) representarem a limitação de responsabilidade decorrente de conduta dolosa ou gravemente culposa, ou seja, quando o descumprimento contratual se deu de forma intencional; (iii) quando a cláusula limitativa tem por objetivo isentar de indenização o inadimplemento da obrigação principal do contrato; (iv) quando ofender a vida ou a integridade física de pessoas e (v) quando as partes não estiverem em igualdade de condição entre si.
Assim, no voto vencedor na Corte Superior fixou-se o entendimento no sentido de que ambas as contratantes eram empresas de grande porte, de modo que não haveria como concluir a existência de vulnerabilidade suficiente entre elas para impedir o conhecimento e a compreensão a respeito da cláusula limitativa de responsabilidade. Entretanto, é importante ressaltar que um dos fundamentos para que a cláusula tenha sido considerada válida é o fato de que o valor nela previsto como indenização mínima não era irrisório, de modo a inviabilizar a reparação dos danos suportados pela RC.
Por tudo quanto foi exposto, a cláusula de limitação de responsabilidade, quando redigida com a observância de todos os pressupostos de validade, pode ser um instrumento eficaz para a mitigação de riscos, estabelecendo o valor máximo a ser pago a título de indenizações em caso de eventuais descumprimentos.