MP 927/2020: a flexibilização das normas trabalhistas diante da pandemia do coronavírus

Maria Fernanda

Maria Fernanda Sbrissia

Advogada egressa

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Da equipe de Direito do Trabalho

O Governo Federal publicou no dia 22 de março de 2020, com aplicação imediata, a Medida Provisória nº 927/2020, com o intuito de flexibilizar as normas trabalhistas para preservação do emprego e da renda e para facilitar o enfrentamento do estado de calamidade pública em prol da saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (COVID-19).

A referida medida provisória permite que, enquanto durar o estado de calamidade pública, sejam elaborados acordos individuais escritos, diretamente com o empregado, para adequar a relação de trabalho, respeitando sempre os limites constitucionais, entre eles os previstos no artigo 7º da Constituição Federal, que traz o patamar civilizatório mínimo do empregado.

Frise-se que essa medida provisória não autorizou, expressamente a redução de salário, pois tal conduta é vedada no artigo 7º, inciso VI da CF/88, salvo se disposto em convenção ou acordo coletivo. Portanto, regra geral, a redução salarial, mediante acordo individual, é inconstitucional.

Inclusive a doutrina majoritária entende que a irredutibilidade salarial garantida no artigo 7º, inciso VI da CF/88 é a numérica, isso é, mesmo que se reduza a carga horária proporcionalmente ao salário, está proibida a redução salarial que não seja feita por negociação coletiva.

Nesse sentido, o artigo 58-A da CLT prevê que o contrato por tempo parcial, quando adotado no curso da vigência do contrato, exige a negociação coletiva para a redução do salário proporcional a jornada.

Por outro lado, alguns operadores do direito estão defendendo que por estarmos vivendo em um estado de exceção, logo, esta medida provisória permitiria a redução da jornada de trabalho e do salário proporcionalmente, mediante acordo individual escrito. Outros especulam que o Governo irá editar outra medida provisória para solucionar essa questão.

O fato é que mesmo que uma medida provisória autorize, por acordo individual, a redução de salário, essa é uma opção muito perigosa, pois na prática há quem defenda que não estamos diante de um acordo individual, e sim de uma imposição unilateral, uma vez que ou o empregado aceita a redução do salário ou extingue-se o contrato de trabalho.

Para resolver essa questão, uma possível solução seria negociações coletivas, utilizando o artigo 617 da CLT, de forma flexibilizada. Ou seja, um grupo de trabalhadores elege um representante e a partir daí prepara um comunicado ao sindicato, à federação e à confederação dos trabalhadores dizendo que eles têm o prazo de 24 horas para assumir a negociação sobre a redução de salário, deixando expresso que o silêncio importa em recusa em assumir as negociações. Com a recusa do órgão de classe, os trabalhadores formam uma comissão de negociação para realização do acordo coletivo com o empregador, sem a participação do sindicato e dentro do que prevê a Constituição Federal.

É sabido que o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho, excepcionalmente, já deu validade a acordo individual de trabalho que reduziu o salário proporcionalmente a jornada, por acordo escrito, em caso da empresa ter passado por grave crise, mas essa não é a posição majoritária.

No cenário pós pandemia, sendo a empresa questionada na justiça do trabalho sobre a inconstitucionalidade da redução salarial por acordo individual, certamente também não haverá consenso entre os magistrados, gerando uma insegurança jurídica enorme com decisões de todo tipo.

É certo, que o acordo individual, como uma medida excepcional, vai ficar mais palatável conforme demore mais o período de isolamento social. No entanto, no atual cenário, com poucos dias de isolamento, ainda não é um bom caminho partir para o acordo individual com redução salarial, devido à insegurança jurídica.

Nesse momento se recomenda que o empregador utilize outras medidas previstas na medida provisória 927/2020 para preservação do emprego e da renda, quais sejam: teletrabalho, antecipação de férias individuais, a concessão de férias coletivas, antecipação de feriados, banco de horas, suspensão de exigência administrativas em segurança e saúde no trabalho, diferimento de recolhimento do FGTS, entre outras.

Frise-se ainda, que a media provisória deixa clara que as regras da medida provisória se aplicam tanto aos empregados da CLT, como aos domésticos, ruralistas, terceirizados, bem como aos estagiários e aprendizes que não são empregados.

Teletrabalho

O teletrabalho poderá ser adotado a critério do empregador, não sendo necessário qualquer chancela do sindicato ou inclusão do registro no contrato de trabalho.

Para adoção do regime de teletrabalho o empregador deve apenas comunicar o empregado com 48 horas de antecedência de forma escrita ou por meio eletrônico.

Questões atinentes sobre responsabilidade de aquisição, manutenção, fornecimento de equipamentos tecnológicos e de infraestrutura, bem com possíveis reembolsos devem obrigatoriamente estar previstas em aditivo contratual que pode ser previamente acordado ou realizado dentro do prazo de 30 dias da mudança do regime.

Destaca-se ainda que o empregado em teletrabalho, em regra, fica isento de controle de jornada nos moldes do artigo 62, III da CLT, podendo ser acordado situação diversa desde que conste em aditivo contratual.

Portanto, é possível fixar jornada no regime de teletrabalho, mas não é desejável, pois esta é uma forma de trabalho em que o empregado auto gerencia o seu tempo. Caso o empregador fixe jornada, o empregado, a princípio, passaria a ter direito as horas extras.

O tempo de uso de aplicativos e programas de comunicação (e-mail, whatsapp, skype) fora da jornada de trabalho não constitui tempo à disposição, regime de prontidão ou sobreaviso, salvo previsão em contrario previsto em normas coletivas ou acordo individual.

O decreto ainda permite a adoção do regime de teletrabalho para estagiários e aprendizes.

Por fim, importante destacar que o regime de teletrabalho não se equipara as funções de teleatendimento e telemarketing, que possuem regramento próprio em nosso ordenamento.

Férias

O empregador poderá conceder férias individuais, inclusive proporcionais, ao empregado que não tenha completado o período aquisitivo.

Os empregados que estão no grupo de risco do coronavírus deverão ser priorizados.

A comunicação dessa decisão deverá ocorrer com antecedência mínima de 48 horas, sendo vedada a concessão de férias inferior a 05 (cinco) dias corridos.

O pagamento das férias poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao inicio do gozo das férias (como se fosse o pagamento do próprio salário) e o pagamento do adicional de um terço constitucional poderá ser pago até 20 de dezembro, data limite que é devida a gratificação natalina.

A conversão das férias em abono (“venda das férias”) durante o período de calamidade não é mais um direito do empregado e dependerá da concordância do empregador.

Pode o empregador conceder férias coletivas com antecedência mínima de 48 horas, sem a necessidade de comunicação previa ao órgão local do Ministério da Economia e dos sindicatos representativos da categoria.

A medida provisória permitiu que as férias coletivas sejam gozadas em mais de 2 períodos anuais, também sendo possível a concessão de períodos com duração inferior a 10 dias corridos.

Os profissionais das áreas de saúde ou que desempenhem funções essenciais poderão ter suas férias ou licenças não remuneradas suspensas mediante comunicado com antecedência mínima de 48 horas.
Caso o empregado seja desligado as férias devem ser pagas normalmente no prazo das verbas rescisórias.

Feriados

A medida provisória permitiu antecipar de forma unilateral os feriados não religiosos, ex.: 07 de setembro, 15 de novembro, sem necessidade de negociação coletiva, desde que o empregado seja comunicado formalmente com 48 horas de todos os feriados que se pretende antecipar.

Caso o empregador pretenda o aproveitamento dos feriados religiosos na compensação, dependerá de concordância expressa do empregado mediante acordo individual escrito.

Os feriados também podem ser utilizados para a compensação de saldos de banco de horas.

Banco de horas

O Governo possibilitou a interrupção das atividades do empregador com adoção de banco de horas, por meio de acordo individual ou acordo coletivo. Não é possível o banco de horas por acordo tácito.

Nesta situação o empregador continua pagando normalmente a remuneração de seus empregados, sendo tais horas compensadas após o encerramento da calamidade por meio de prorrogação de jornada em até duas horas diárias pelo prazo de até 18 meses.

Suspensão de exigências administrativos em segurança e saúde no trabalho

A medida provisória suspendeu a obrigatoriedade de realização de exames médicos ocupacionais, clínicos e complementares. Tendo sido realizado um desse exames a menos de 180 dias também fica suspensa a exigibilidade da realização dos exames demissionais.

Deste modo, os exames dispensados deverão ser feitos dentro do prazo de 60 dias contados após o termino do estado de calamidade pública.

No entanto fica a critério do médico coordenador de programa de controle médico e saúde ocupacional avaliar se a prorrogação proposta pelo Governo representa risco para a saúde do empregado, podendo optar pela realização.

Por outro lado, os treinamentos exigidos por normas regulamentadoras de segurança e saúde poderão ser realizados normalmente a distância normalmente ou serem feitos de maneira presencial dentro do prazo de 90 dias contados após o termino do estado de calamidade pública.

As comissões internas de prevenção de acidentes (CIPA) poderão ser mantidas até a normalização da situação, sendo que os processos eleitorais em curso poderão ser suspensos sem qualquer penalidade.

Diferimento do recolhimento do FGTS

O Governo suspendeu a exigibilidade do recolhimento do FGTS referente às competências de março, abril e maio de 2020. Ou seja, com vencimento em abril, maio e junho de 2020.

Tal beneficio se aplica a todas as empresas, independentemente do número de empregados, regime de tributação, ramo de atividade econômica ou adesão prévia.

O recolhimento poderá ser realizado de forma parcelada em até 6 vezes com vencimento no dia 7 de cada mês a partir de julho de 2020, sem a incidência de atualização monetária, multa e encargos.

Para fazer jus a tal prerrogativa, o empregador deverá declarar as informações até 20 de junho de 2020.

Na hipótese de rescisão contratual, deverá o empregador realizar os depósitos dos valores com incidência da taxa referencial, sem incidência de multa e encargos.

Empregados na área da saúde

A medida provisória permite que os estabelecimentos de saúde, mediante acordo individual, mesmo que para atividades insalubres e em regime de 12×36, prorroguem a jornada de trabalho e adotem escalas de horas suplementares entre a 13ª e a 24ª hora de intervalo interjornada, sem que haja penalidade administrativa, podendo ser compensadas no prazo de 18 meses após cessada a calamidade pública, por meio de banco de horas ou remuneradas como hora extra.

Doença do Trabalho

A contaminação pelo coronavírus (COVID-19) não será considerada ocupacional, para os trabalhadores em geral, salvo se demonstrado pelo empregado a culpa da empresa em seu contagio.

Portanto, para os trabalhadores em geral deve-se provar o nexo causal entre a doença e o trabalho, para que o empregador possa ser responsabilizado.

Já para os profissionais da saúde, contaminados no exercício da função, presume-se que tenha adquirido a doença no trabalho, por termos do artigo 20, §1º, letra “d”.

Portanto, nesse caso e no caso em que o empregado consiga provar o nexo causal, haverá estabilidade do emprego, nos termos do artigo 118, da Lei 8.213/91 e uma possível indenização responsabilidade material e moral.

Normas coletivas

Os Acordos Coletivos de trabalho e as Convenções Coletivas de Trabalho vencidas ou vincendos, no prazo 180 dias contados de 22 de março de 2020, poderão ser prorrogados por opção do empregador por mais 90 dias.

Extinção dos contratos de trabalho por força maior

A CLT traz a possibilidade de extinção dos contratos de trabalho por força maior, de forma estrita, nos artigos 501 e seguintes.

Ou seja, correndo motivo de força maior que determine a extinção da empresa, ou de um dos estabelecimentos em que trabalhe o empregado, este perderia o aviso prévio e metade da multa de 40% do FGTS, na rescisão contratual.

Nessa época de pandemia, existem situações em que a empresa não irá fechar totalmente, mas temporariamente, por exemplo, lojas de shopping. No entanto, não há mais possibilidade fática da empresa seguir a diante se não reduzir a força de trabalho.

Nesse caso há quem defenda que caberia a extinção do contrato de trabalho por força maior, não para a totalidade dos empregados, mas para parte dos empregados que o empregador não tem como fornecer trabalho.

O regime de exceção que estamos vivendo e o prolongamento da crise nos faz refletir e aceitar essa possibilidade, de forma excepcional.

Frise-se que inclusive para gestante, membro da CIPA, e outros detentores de estabilidade, esta seria extinta junto com a extinção do estabelecimento. Ou seja, não haveria o pagamento da indenização até o fim, tendo esses empregados acesso às verbas rescisórias e ao seguro desemprego, como os demais.

Suspensão do contrato de trabalho (lay off)

A Medida provisória 928/2020 revogou a autorização para a suspensão do contrato de trabalho por até 4 meses para a participação em curso ou programa de qualificação profissional não presencial fornecida pelo empregador, facultado a concessão de ajuda compensatória mensal pelo empregador.

A área de Direito do Trabalho do Vernalha Pereira permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes.

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