As discussões acerca da produção antecipada da prova nas relações jurídicas submetidas à convenção de arbitragem, após ampla controvérsia, parecem ter se assentado. A decisão do STJ no REsp 2.023.615/SP, que estabeleceu a competência do árbitro para a produção antecipada da prova quando não houver urgência, bem como a edição de normativas específicas pelas Câmaras Arbitrais (CAM-FIESP, CAM-CCBC e AMCHAM, dentre outras), pôs fim a eventuais dúvidas.
Encerrada a discussão sobre a competência do árbitro, surgem as discussões sobre as repercussões da afirmação de tal competência. Um dos temas que mais pode suscitar dúvidas diz respeito à relação entre a produção antecipada na arbitragem e o regramento acerca da ação anulatória de sentença arbitral.
Neste âmbito, uma primeira resposta pode parecer a solução mais óbvia: não cabe ação anulatória contra a decisão que homologa a produção antecipada da prova porque não há qualquer análise acerca da prova produzida e suas repercussões sobre a relação jurídica de fundo. Qualquer juízo de mérito – decorrente da análise da prova produzida – é relegado a uma segunda arbitragem, posterior e autônoma em relação ao processo arbitral no qual é produzida a prova.
De fato, seria incogitável uma ação anulatória que dissesse respeito ao simples controle da prova produzida. Primeiro, como premissa específica à produção antecipada, conforme acima estabelecido, não há, neste momento, qualquer juízo de mérito realizado a partir da prova produzida. Segundo, como premissa geral ao sistema de arbitragem brasileiro, jamais se admite controle, via ação anulatória, do conteúdo da decisão arbitral. O que é passível de controle via ação anulatória são elementos externos ao conteúdo da decisão arbitral, a conformar error in procedendo.
Ainda que tais premissas sejam verdadeiras, não se pode ignorar que a produção antecipada da prova também pode padecer dos vícios processuais descritos no art. 32 da Lei de Arbitragem, e, nessa medida, autorizar o ajuizamento de ação anulatória.
Duas hipóteses de anulação da decisão arbitral se mostram especialmente relevantes para a produção antecipada. A primeira hipótese diz respeito à nulidade da convenção de arbitragem (art. 32, I, da Lei de Arbitragem). Se a convenção de arbitragem for inválida, o árbitro não detém competência (a rigor, jurisdição) alguma – nem mesmo para a produção da prova. Por evidente, este pode ser um argumento suscitado em ação anulatória que vise à desconstituição da decisão que homologou a produção probatória – atingindo, por consequência, a prova produzida.
É evidente que, mesmo nessa situação, continua a incidir o princípio kompetenz-kompetenz – base do sistema arbitral brasileiro. Cabe ao próprio árbitro, também na produção antecipada, decidir, prioritariamente, sobre a existência e validade da convenção de arbitragem – como faria em qualquer arbitragem, aliás. Neste sentido, o Regulamento de Produção Antecipada de Prova da CAM-CCBC, em seu artigo 9º, dispõe que “compete ao árbitro de prova: (I) decidir sobre a sua jurisdição e sobre a existência, a validade e o escopo da convenção de arbitragem”.
Uma segunda hipótese relevante diz respeito à ação anulatória ajuizada tendo por objeto a decisão arbitral proferida fora dos limites da convenção de arbitragem (art. 32, IV, da Lei de Arbitragem). Esse ponto é especialmente relevante na produção antecipada de prova porque, como é natural neste âmbito, é inviável qualquer consideração sobre a controvérsia de fundo na decisão que homologa a prova produzida. Nos termos do artigo 10 do Regulamento da CAM-CCBC, “o árbitro de prova não efetuará juízo de valoração da prova produzida, não se pronunciará sobre a ocorrência ou a inocorrência do fato e nem sobre as respectivas consequências jurídicas, o que competirá, se for o caso, ao tribunal arbitral constituído para o exame da questão principal”. Juízos de mérito sobre a prova produzida violam os limites da convenção de arbitragem naquilo que é referente à produção antecipada da prova – e podem, nessa medida, justificar a ação anulatória.
Em suma, sendo possível que a decisão proveniente da produção antecipada esteja maculada por algum dos vícios elencados no art. 32 da Lei de Arbitragem, a ação anulatória não pode ser descartada como meio viável de controle jurisdicional da atividade arbitral.




