O déficit regulatório do PMI

O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é um tema em construção no país.

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O Procedimento de Manifestação de Interesse (PMI) é um tema em construção no país. Não temos, ainda, uma disciplina legislativa nacional mais detalhada sobre ele, particularmente àquela espécie de PMI vocacionado a produzir estudos e projetos para programas de infraestrutura. O seu enquadramento normativo tem ficado à conta da regulamentação regional e local, quase sempre produzida no nível infra-legal. Embora se reconheça a autonomia de estados e municípios na configuração de traços mais específicos do PMI, há temas centrais que deveriam merecer alguma uniformização, a partir de uma disciplina nacional. São questões que se prendem à sua efetividade (do PMI) como expediente apto a atrair o engajamento da iniciativa privada, assim como à redução do risco de captura e da assimetria informacional entre a Administração Pública e os particulares interessados nestes procedimentos.

Pelo menos três questões, na minha visão, deveriam merecer a atenção do legislador nacional.

noticias03Em primeiro lugar, é necessário refletir acerca da necessidade de reduzir a instabilidade do vínculo que se estabelece entre a Administração e os seus autorizatários no âmbito de PMIs. É perceptível que os PMIs são excessivamente precários. Pela configuração que têm assumido nas diversas ordens federadas, as Administrações Públicas, via de regra, detêm prerrogativas diversas que acabam tornando o PMI bastante arriscado para os particulares. Assim, e por exemplo, é comum que, no âmbito de PMIs, a Administração Pública detenha a prerrogativa de: (i) autorizar um número indeterminado de interessados em desenvolver projetos – as autorizações não conferem exclusividade; (ii) rejeitar ou aproveitar ilimitadamente os estudos e projetos apresentados (bastando apenas a explicitação da respectiva motivação); (iii) revogar o PMI a qualquer tempo; (iv) desistir, mesmo após a decisão de aproveitamento dos estudos e projetos, de incorporá-los nos programas concessionários – o que significará que a aprovação dos projetos não gera direito a indenização e ressarcimento.

Essa ampla margem de interferência da Administração nos PMIs acaba por reduzir a disposição do mercado em participar desses procedimentos. Todos os riscos identificados acima não raramente desencorajam empresas e grupos especializados a tomar a decisão de investir na elaboração de projetos em PMI – que podem chegar em alguns casos a valores significativos.

Uma proposta de aperfeiçoamento do PMI, voltada a fortalecer a estabilidade desse vínculo e a reduzir a insegurança do mercado, estaria na criação de uma etapa preliminar com vistas à seleção de propostas de projetos, reduzindo o universo de proponentes a poucos ou a apenas um participante (dando origem a autorizações exclusivas). Isso importaria divisar o PMI em duas fases: (i) fase de proposição e (ii) fase de desenvolvimento. A fase de proposição funcionaria como uma etapa inicial do PMI em que os interessados poderiam propor os traços fundamentais de seus projetos, relacionando todas as informações relevantes para que possam ser apreciados tecnicamente pelas Administrações, inclusive com relação aos potenciais benefícios sócio-econômicos que possam gerar (algo equivalente às exigências que costumeiramente têm sido exigidas pelos regulamentos para a apresentação inicial dos PMIs). Já a fase de desenvolvimentopressuporia uma decisão administrativa prévia e motivada de seleção de apenas um ou de alguns poucos projetos (short list) que foram propostos na fase de proposição, com vistas a redefinir o universo de participantes, para iniciar o desenvolvimento propriamente da execução dos projetos. Após os trâmites da fase de desenvolvimento, a Administração produziria um ato motivado de aprovação e aproveitamento do(s) projeto(s), para o fim de submetê-lo ao processo de consulta (quando for o caso)/licitação/contratação. A finalidade em se criar um degrau de aprofundamento de cognição entre a fase propositiva e a fase de desenvolvimento é conferir maior segurança aos interessados em investir na elaboração de projetos, reduzindo (mas não eliminando) o risco de não-aproveitamento do projeto (reduzindo o risco de frustração do investimento). Isso melhora o regime de incentivos subjacente ao PMI.

A ideia de reduzir o universo de proponentes e o paralelismo na execução de projetos assenta-se também no objetivo de melhorar a eficiência do modelo, evitando-se desperdício de recursos na execução simultânea de estudos e projetos, o que é economicamente irracional.

A hipótese de conferir-se autorização com exclusividade já vem sendo defendida por estudos, como se observa da recente publicação do IFC – International Finance Corporation sobre estruturação de projetos de PPP e Concessão no Brasil (http://buff.ly/1YN64IH, consulta em 10/04/2016), além de ter sido acolhida pelo novo regulamento de PMI editado pelo Estado de São Paulo (Decreto 61.371/15). Mas a exclusividade proposta pelo estudo do IFC e contemplada na normativa do Estado de São Paulo é aquela que exige o compromisso do proponente em não disputar a licitação subsequente (para a execução do projeto), buscando-se evitar que o beneficiário da autorização exclusiva detenha vantagens competitivas no certame ante o conhecimento privilegiado sobre o conteúdo do projeto. O problema dessa construção está precisamente na restrição a que o autorizatário exclusivo participe da licitação decorrente. Na minha visão, pode ser prematuro o entendimento de que as alegadas vantagens competitivas (agravadas pela assimetria informacional) devem justificar a imposição de limites à participação do autor do projeto na futura licitação. A referida vantagem competitiva – que, de resto, pode se verificar nas demais hipóteses de PMI – pode ser neutralizada ou minimizada mediante outras precauções, que se relacionam à efetividade do controle técnico sobre o conteúdo dos projetos, como adiante explicitado. Além disso, a prevalecer a solução restritiva, o mercado de acesso às PMIs estará reduzido às empresas dedicadas exclusivamente à confecção de projetos (ocupado principalmente pelas estruturadoras independentes de projetos). Com isso, há não apenas uma alteração quantitativa, mas qualitativa do mercado de acesso. Se, por um lado, a depuração desse mercado às empresas com dedicação exclusiva à execução do projeto pode afastar o risco da ocorrência de vantagens competitivas na licitação, por outro, prejudica o alinhamento de incentivos que poderia beneficiar a qualidade dos projetos, quando aquele que possui interesse na execução do contrato concessionário necessariamente terá incentivos para produzir projetos corretos e ajustados à realidade (pois os ônus derivados das falhas de projeto serão suportados na fase de execução).

Outra proposta, ainda visando ao fortalecimento do vínculo do PMI, reside em restringir as hipóteses de revogação ou de abandono do PMI pela Administração, estabelecendo-se que situação desta natureza apenas poderia ocorrer em hipóteses muito específicas e a partir de decisão fundamentada. Poder-se-iam emprestar à hipótese de revogação do PMI as exigências e pressupostos atualmente instituídos para a hipótese de revogação da licitação pelo regime da Lei 8.666/93. O objetivo é dotar de maior seriedade, previdência e responsabilidade as decisões para o desencadeamento do PMI. Afinal, é notável que o baixo índice de conversão de PMIs em contratos vem prejudicando a credibilidade deste mecanismo aos olhos do mercado.

Isso se relaciona também à falta de capacitação técnica e institucional de muitas Administrações. É relevante perceber que o funcionamento do PMI, pela sua própria natureza, e considerada a provável assimetria de informações entre o poder público e as empresas interessadas em desenvolver projetos, acaba por gerar inevitavelmente o chamado risco de captura do interesse público pelo interesse privado. No nível municipal (os municípios serão os protagonistas do próximo ciclo das PPPs – ver meu artigo publicado nesta Seção Colunistas intitulado “O ciclo municipal das PPPs”), esse risco é ampliado, considerada debilidade técnica de muitos municípios brasileiros para proceder às avaliações e aferições necessárias e demandadas em programas de concessões e PPPs. Um meio de as Administrações se protegerem contra esses riscos está na ampliação de sua capacitação técnica. Mas a realidade fiscal de muitos municípios não permite investimentos no incremento profissional de seus quadros.

Uma proposta que poderia concorrer para reduzir o déficit de capacitação das Administrações está na instituição de exigência de auditoria externa sobre os projetos produzidos no âmbito de PMI, com vistas a oferecer à Administração avaliações avançadas quanto à correção técnica (dos estudos de demanda, entre outros) e à correção dos estudos econômico-financeiros relacionados. A auditoria técnica e financeira poderia ser provida por entidade de consultoria com notória especialização no tema, contratada pela Administração para esse fim. O auditor funcionaria como um agente de controle externo sobre o conteúdo técnico e financeiro dos projetos, reduzindo os riscos de captura e atenuando o problema da assimetria informacional.

Essas, enfim, são algumas propostas de ajustes que considero importantes para o aperfeiçoamento do(s) modelo(s) de PMI vigente(s) no país. Afinal, e como dito no início deste texto, o PMI – assim como a própria PPP – é um tema ainda em formação no país, carente de uma construção legislativa avançada. E o interesse recente e cada vez maior das Administrações por esse tipo de expediente (os levantamentos mostram bem isso) conduz a uma preocupação crescente com a qualidade de sua regulação. É necessário, enfim, discutir os PMIs, pois, bem ou mal, serão eles – provavelmente – o principal ambiente de formação e estruturação dos nossos próximos programas de infraestrutura.

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