O novo coronavírus e as relações de trabalho

Maria Fernanda

Maria Fernanda Sbrissia

Advogada egressa

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Da equipe de Direito do Trabalho

De acordo com informações do site do Ministério da Saúde, o novo agente do coronavírus foi descoberto em 31 de dezembro de 2019. Com o aumento exponencial do número de casos de COVID-19 e a sua disseminação global, no dia 11 de março de 2020, a Organização Mundial de Saúde (OMS) declarou que vivemos uma pandemia. Com isso, surgiram diversas questões atinentes às medidas de proteção, detecção, contenção, redução e tratamento da doença que trouxeram consequências para as relações de trabalho.

Sabemos que uma das maneiras mais eficazes de se impedir o avanço do COVID-19 é diminuir o contato social. Para isso, é necessário que as empresas repensem o seu modo de interagir no dia a dia e encontrem modelos alternativos para continuar suas operações sem colocar em risco a saúde de seus empregados, clientes e parceiros.

Embora as ações específicas que cada empresa deve tomar dependam da localização, da natureza do local de trabalho e da viabilidade da interrupção das operações, todas têm a função social de minimizar a possibilidade de transmissão do vírus, zelando pela saúde de seus colaboradores. Diante disso, elaboramos uma análise trabalhista para auxiliar as empresas neste momento de enfrentamento da pandemia.

Medidas para prevenção e diminuição dos riscos de transmissão do coronavírus no ambiente de trabalho

Em um primeiro momento a empresa deve promover orientações gerais para os empregados sobre a transmissão e a prevenção de COVID-19, como cobrir o nariz e a boca ao tossir, não compartilhar objetos pessoais, entre outros, por meio de intranet, cartazes e/ou folhetos explicativos.

A empresa também deve disponibilizar itens essenciais de higiene como água e sabão e álcool em gel para as mãos, além de máscaras e luvas para as atividades indicadas.

Higienizar constantemente os ambientes de convívio e manter portas e janelas abertas, tanto para facilitar a circulação do ar quanto  para evitar contato com maçanetas.

Evitar aglomerações de qualquer tipo dentro da empresa, inclusive reuniões presenciais, substituindo por reuniões virtuais.

Definir uma política clara que evite ao máximo o deslocamento de empregados no exercício da função, ainda que dentro do município, especialmente para locais em que há aglomeração de pessoas.

Proibir todas as viagens relacionadas ao trabalho consideradas não essenciais, especialmente o deslocamento para zonas de risco.

Com relação aos empregados que já estejam no exterior, necessário estabelecer regras com relação ao seu retorno e ao desenvolvimento das atividades a partir deste momento.

Oferecer condições para que os empregados trabalhem em casa sempre que possível, podendo adotar o rodízio de empregados quando se fizer necessária a presença do empregado no local de trabalho.

Limitar ou proibir visitantes nas dependências da empresa.

A empresa deve garantir que os empregados saibam que, mesmo com sintomas leves, não devem estar nos locais de trabalho ou em reuniões presenciais e que não serão penalizados por dias afastados por conta da doença.

A empresa deve desenvolver um sistema de reporte para qualquer caso suspeito e se possível, criar um canal direto que facilite o contato do empregado com médicos e/ou clínicas de Medicina do Trabalho.

Manter um registro claro dos contatos de cada dia. Se uma infecção for identificada, a empresa poderá alertar todos os possivelmente expostos para minimizar riscos e mitigar danos aos empregados e aos clientes.

É bom lembrar que não é apenas o ambiente de trabalho que coloca em risco a saúde do trabalhador pela possibilidade de contágio, mas também a utilização do transporte público para ir e voltar do trabalho.

Por isso, o empregador que não adote as medidas preventivas e de contenção pode estar praticando justa causa, de modo a ensejar a rescisão indireta daqueles que se sentirem diretamente prejudicados. É claro que a punição máxima depende do caso concreto e da probabilidade real de contágio e disseminação.

Importante salientar ainda que se houver comprovação de que a doença foi contraída dentro da empresa por omissão do empregador nas medidas protetivas de proliferação do vírus, a contaminação do empregado pode ser considerado acidente de trabalho atípico, pois se enquadra como doença ocupacional, nos termos dos artigos 19, 20 e 118 da Lei 8.213/91), salvo se comprovada a hipótese contida no artigo 20, § 1º, alínea d, da Lei da Previdência(a doença endêmica adquirida por segurado habitante de região em que ela se desenvolva, salvo comprovação de que é resultante de exposição ou contato direto determinado pela natureza do trabalho).

Por isso, todas estas práticas preventivas devem ser documentadas para evitar futura alegação de responsabilidade patronal pelo contágio. Com condenação, inclusive, por dano moral coletivo ou individual.

Em contrapartida o empregado tem o dever de se preservar e preservar o seu meio ambiente de trabalho.

De forma geral, se o empregador se negar a adotar as medidas de segurança e higiene comum a todos impostas no local de trabalho, como isolamento recomendado ou determinado coletivamente, bem como se recusar a usar luvas, máscara ou álcool gel, poderá será punido com advertência, suspensão, estando sujeito até mesmo à demissão por justa causa, pois tal recusa equivale ao não uso de equipamento de proteção individual (EPI).

Por fim, se o empregado se mantiver frequentando o local de trabalho sabendo da sua condição clínica positiva para coronavírus, pode ser dispensado por justa causa e ainda pode responder por crime contra a saúde pública, nos termos do artigo 3º, § 4, da Lei 13.979/20.

Lei 13.979/2020 e portaria Nº 356/2020 do Ministério da Saúde dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019

No dia 06 de fevereiro de 2020 foi promulgada a Lei nº 13.979/2020, regulamentada pela Portaria nº 356/2020 do Ministério da Saúde do dia 11 de março de 2020, que visando a proteção da coletividade, definem o conceito de “isolamento” e “quarentena”, que são medidas para o enfrentamento da COVID19.

Isolamento:

O isolamento se aplica a pessoas no curso da investigação epidemiológica e abrangerá somente os casos de contactantes próximos a pessoas sintomáticas ou portadoras assintomáticas do COVID-19.

A medida de isolamento objetiva a separação dessas pessoas de maneira a evitar a propagação da infecção e transmissão local.

A medida de isolamento somente poderá ser determinada por prescrição médica ou por recomendação do agente de vigilância epidemiológica, por um prazo máximo de 14 (quatorze) dias, podendo se estender por até igual período, conforme resultado laboratorial que comprove o risco de transmissão.

O empregado isolado irá se submeter às mesmas regras do afastamento por licença de saúde, isto é, o empregado deve apresentar o atestado médico ou a notificação de isolamento à empresa, sendo os primeiros 15 dias de afastamento pagos pela empresa e a partir do 16ºdia o empregado deve ser encaminhado ao INSS e o valor é pago ao empregado através do benefício previdenciário,auxílio doença, conforme previsão contida do artigo 59 da Lei nº 8.213/91.

Entretanto, vale destacar que, mesmo no período de suspensão do contrato de trabalho, que ocorre após o 16º dia, o empregador deverá manter o plano de saúde concedido regularmente ao empregado.

Se o infectado for um trabalhador autônomo que preste serviços à empresa, ou estagiário, o afastamento também será necessário e a mera comunicação basta para esse efeito.

Se, todavia, for um trabalhador terceirizado, o tomador dos serviços deverá impedir o trabalho imediatamente e comunicar a empresa empregadora para tomar as medidas cabíveis.

Embora o terceirizado não seja subordinado ao tomador, é de responsabilidade do tomador os cuidados com o meio ambiente de trabalho, na forma do artigo 5º-A, § 3º da Lei 6.019/74.

O empregado doméstico também se submete às mesmas regras do empregado comum, salvo quanto ao benefício previdenciário, quando devido, já que é pago desde o primeiro dia, não se lhe aplicando a regra do pagamento pelo empregador dos primeiros 15 dias, na forma do artigo 72, inciso I do Decreto 3.042/99.

Quarentena:

A quarentena somente será instaurada por ato administrativo formal e devidamente motivado, publicada no Diário Oficial e amplamente divulgada pelos meios de comunicação.

A medida de quarentena será adotada pelo prazo de até 40 (quarenta) dias, podendo se estender pelo tempo necessário para reduzir a transmissão comunitária e garantir a manutenção dos serviços de saúde no território.

Caso haja decreto desta medida, a ausência do empregado ao trabalho será tratada como falta justificada, ou seja, o empregado receberá a remuneração normalmente, configurando hipótese de interrupção do contrato de trabalho. Caberá, portanto, ao empregador o pagamento dos salários.

Vale destacar que se ultrapassados 30 dias de licença remunerada, o empregado perde o direito de férias, nos termos do artigo 133, inciso III da CLT, iniciando novo período aquisitivo com retorno ao trabalho.

Por fim, importante diferenciar a quarentena prevista por essa lei daquelas medidas preventivas que podem e devem ser tomadas pelos empregadores para evitar a disseminação do vírus, como as que veremos a seguir e não serão tratadas como faltas justificadas.

Medidas de afastamento temporário dos empregados do local de trabalho estabelecidas pelo empregador

A empresa pode optar pelo afastamento temporário dos empregados do ambiente de trabalho. Para isso pode adotar várias medidas, tais como:

Home office. Teletrabalho:

Em sendo compatível com as atividades do empregador, uma das medidas sugeridas para evitar a aglomeração de pessoas é o trabalho home office ou o teletrabalho.

O trabalho home office é quando o empregado, temporariamente, trabalha de casa, de forma remota.

O Tribunal Superior do Trabalho orienta que no caso de uma situação de emergência eventual, a adoção do trabalho remoto dispensa algumas etapas formais adotadas no teletrabalho, desde que respeitados os limites estabelecidos na legislação trabalhista e no contrato de trabalho, inclusive no tocante a limitação de jornada, intervalos e períodos de descanso.

Entre as possibilidades de controle de ponto “à distância”, sugere-se a adoção do modelo de papeleta (registro manual) ou de outros meios mecânicos ou eletrônicos que garantam a veracidade das informações, como aplicativos ou plataformas digitais, por exemplo.

Já o teletrabalho é a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo. Está previsto no artigo 75 a e seguintes da CLT.

No teletrabalho o empregado deixa de se submeter às regras atinentes à limitação de jornada de trabalho não tendo direito as horas extras, intervalos e demais períodos de descanso.

Por esse motivo o artigo 75-C, §1º da CLT estabelece que a alteração do regime presencial para o teletrabalho exige acordo bilateral entre empregado e empregador.

No entanto, no caso de alteração decorrente do COVID19, não pode haver recusa ilegítima por parte do empregado, pois o interesse público não pode ser prejudicado por interesses de classe ou particulares, nos termos do artigo 8º da CLT.

O prazo de 15 dias de transição previsto na CLT também pode ser desconsiderado diante da gravidade da situação, visando a saúde e a segurança no trabalho.

Acordo de compensação de horas. Banco de horas:

Por acordo individual com os trabalhadores ou mediante negociação coletiva, as empresas podem firmar compensação de jornada e banco de horas nos termos dos artigos 59 e 59-A da CLT para que o empregador possa dispensar os empregados ou reduzir a sua jornada e os trabalhadores possam compensar essas ausências em momentos posteriores ao fim da pandemia do COVID-19.

Acordo de compensação de horas pode ser tácito ou escrito, entre empresa e empregado, para instituição de compensação mensal.

O banco de horas pode ser pactuado, por acordo individual, sem negociação com o Sindicato, desde que a compensação não ultrapasse 06 (seis) meses.

Já o banco de horas com duração anual só pode ser instituído por acordo coletivo no Sindicato.

Frise-se que os valores mensais (crédito e débito) direcionados para banco de horas devem ser informados mensalmente ao empregado e ao e-Social, ou no evento de remuneração mensal

Compensação de horas em período posterior:

O empregador poderá,com fulcro no artigo 61, §3º da CLT, flexibilizar a jornada dos empregados ou interromper a prestação de serviços, sem redução salarial.

Quando o empregado retornar ao trabalho, o empregador poderá exigir, independente de ajuste escrito, até 2 horas extras por dia, por um período de até 45 dias, para compensar o período de afastamento.

Portanto,o empregado vai poder compensar até 90 horas caso o empregador não adote o sistema de banco de horas, uma vez que a interrupção se deu por motivo de força maior, previsto no artigo 501 da CLT.

Redução de jornada de trabalho e salário em até 25%:

Nos casos de força maior ou ainda casos de prejuízos devidamente comprovados, a legislação trabalhista ainda prevê, no artigo 503 da CLT, a possibilidade de redução da jornada e do salário dos empregados em até 25%, respeitado, em qualquer caso, o salário mínimo da região.

Nesse período de redução não poderá haver a dispensa imotivada dos empregados.

Cessados os efeitos decorrentes do motivo de força maior, é garantido o restabelecimento dos salários reduzidos, nos termos do artigo 503, § 1º, da CLT.

Esta possibilidade de redução deverá ser procedida através de Acordo Coletivo entre empresa e Sindicato Profissional.

Férias:

Considerando as medidas de ordem pública que estão sendo tomadas, permite-se a concessão de férias aos empregados (artigo 136, da CLT), inclusive férias coletivas para toda empresa ou para alguns setores ou filiais (artigo 139, da CLT).

Embora esteja previsto no artigo 135 da CLT a necessidade de comunicação das férias individuais ao empregado, com antecedência de 30 dias, e nos §§ 2º e 3º do artigo 139 da CLT a necessidade de comunicação das férias coletivas ao Ministério da Economia e ao Sindicato da Categoria Profissional, com antecedência de 15 dias, se o empregador arcar com os valores antecipadamente, acredita-se que, diante da configuração de força maior por se tratar de situação que envolve questão de saúde pública, eventual discussão no Judiciário será minimizada, e o prazo poderá ser dispensado como medida de higiene saúde e segurança do trabalho, aplicando o artigo 8º da CLT, que diz que o interesse público não pode ser prejudicado por interesses de classe ou particulares.

O empregador deve fazer essa observação na CTPS do empregado e comunicar a concessão das férias coletivas ao Ministério da Economia e ao Sindicato da Categoria Profissional, ainda que sem a antecedência prevista em lei.

Licença remunerada:

Ainda que à primeira vista não favoreça o empregador, outra alternativa é a licença remunerada.

A licença remunerada poderá ser dada ao empregado em virtude de paralisação parcial ou total dos serviços da empresa.

Com a licença remunerada, o empregado recebe os salários dos dias de afastamento e tem suas faltas abonadas.

Entretanto, se perdurar por mais de 30 dias o afastamento, o empregado perderá o direito às férias, nos termos do artigo 133, inciso III da CLT, iniciando novo período aquisitivo com retorno ao trabalho.

Outras possibilidades previstas em normas coletivas:

Como a norma coletiva revoga os dispositivos de lei ordinária será possível, ainda, a previsão em acordo coletivo ou a convenção coletiva de outras medias que não estão taxativamente previstas em lei.

Como exemplo, a lei não permite o ajuste entre as partes para suspensão do contrato de trabalho, salvo quando requerido e em benefício do empregado.

Entretanto, diante de casos extremos e de situação emergencial, como um evento de força maior, a interpretação das regras trabalhistas pode ser flexibilizada para priorizar a garantia de sobrevivência da empresa, evitando, como consequência, o seu fechamento e consequente dispensa dos empregados.

Sem a previsão ou autorização prévia no instrumento coletivo, haverá o risco de futuro questionamento da invalidade destas modificações contratuais, salvo para o empregado hipersuficiente que prescinde destas formalidades.

Esperamos que o Governo edite o quanto antes uma medida provisória para solucionas essas questões emergentes.

Rescisão do contrato de trabalho:

No caso da atividade econômica não resistir aos graves impactos da paralisação imposta pelo Governo ou pelas consequências do isolamento, o empregador poderá romper o contrato de trabalho dos empregados, sem justa causa.

Como a rescisão do contrato se deu por força maior e sem culpa do empregador, é devido ao empregado saldo de salário, 13º, férias, FGTS e multa de 20% DO FGTS.

Nesse caso não é devido o pagamento de aviso prévio, na forma dos artigos 486 e 501 da CLT.

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