Retenção de valores referentes a encargos trabalhistas nos contratos administrativos

A previsão de cláusula de retenção de valores a título de provisão para rescisão trabalhista de empregados do particular nos contratos administrativos é legal e tem sido comum, mas há parâmetros que devem ser observados pela Administração
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Caio César Bueno Schinemann

Advogado da área de contencioso e arbitragem

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Em que pese o art. 71, § 1º, da Lei 8.666/93 preveja que “a inadimplência do contratado, com referência aos encargos trabalhistas, (…) não transfere à Administração Pública a responsabilidade por seu pagamento”, é fato notório que a Administração é constantemente responsabilizada na Justiça do Trabalho em face de obrigações trabalhistas contraídas por empresas contratadas.

Esta responsabilização encontra respaldo na Súmula nº 331, incisos IV e V, do Tribunal Superior do Trabalho, a qual prevê que “o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços” (IV), bem como que “os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n.º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora” (V).

Desta forma, a Justiça do Trabalho entende que o disposto no art. 71, § 1º, da Lei nº 8.666/93 deve ser afastado nos casos em que a Administração não cumpra com seu dever de fiscalização do contrato ao longo de sua execução, abrindo espaço para sua condenação enquanto tomador de serviços, tal qual ocorreria com um particular.

Na tentativa de evitar condenações e proteger o erário contra eventuais passivos trabalhistas, diversos contratos administrativos passaram a prever cláusula que prevê retenção mensal de valores a serem depositados em conta vinculada com o fim específico de pagamento de encargos trabalhistas do contratado, sobretudo no tocante a verbas rescisórias.

Ou seja, a Administração desconta do pagamento do contratado determinado valor, que será utilizado, quando necessário, para o pagamento de verbas rescisórias dos empregados do particular contratado. Desta forma, a Administração constitui caixa suficiente para pagar a totalidade das verbas rescisórias, eximindo-se de eventual inadimplemento do contratado para com seus empregados e consequente demanda trabalhista.

Apesar de inexistir previsão legal, este tipo de retenção foi reputado enquanto medida legítima pelo Tribunal de Contas da União. No Acórdão 3301/2015 do Plenário, o TCU entendeu que é “legal retenção parcial de valores devidos à prestadora de serviços continuados com dedicação de mão de obra, para fazer frente ao descumprimento de obrigações trabalhistas”, considerando que esta “retenção parcial não constitui sanção, mas medida preventiva e acautelatória, destinada a evitar que a inadimplência da contratada com suas obrigações trabalhistas cause prejuízo ao erário”.

No entanto, é necessário considerar que, em que pese esta retenção tenha sua legalidade atestada pela Corte de Contas, deve seguir alguns parâmetros, não se podendo imputar ao contratado ônus desproporcional, considerando que, conforme já apontado, esta retenção não constitui sanção, mas tão somente medida preventiva e acautelatória.

O primeiro ponto a ser levado em consideração é a transparência do edital e do contrato administrativo acerca das verbas a serem retidas. Isto porque é fundamental que o particular contratante tenha ciência inequívoca de quais verbas serão provisionadas pela Administração por meio da retenção e quais serão de sua responsabilidade imediata perante o empregado. A Resolução Normativa nº 98/2009 do CNJ, por exemplo, explicita, em seu art. 4º, que os contratos celebrados pelos órgãos do Poder Judiciário promoverão a retenção dos valores referentes a “13º salário, férias e multa do FGTS por rescisão sem justa causa”.

Além disso, é necessário que a Administração proceda com a liberação dos valores retidos conforme se dê a necessidade do contratado. Ao longo da execução do contrato, por óbvio, o contratado pode vir a – e provavelmente irá – dispensar empregados, não podendo esperar até o fim do contrato para levantar os valores retidos. Fazendo jus à utilização dos valores em questão por meio da destinação ao seu fim específico, não pode a Administração se negar a liberar as verbas retidas.

Por fim, deixa-se claro que os valores retidos pela Administração pertencem ao contratado. Caso após cinco anos do fim do contrato administrativo – período no qual empregados podem pleitear verbas oriundas do contrato de trabalho – se observe a existência de saldo remanescente na conta vinculada, ou seja, valor não utilizado para pagamento de verbas rescisórias, este deve ser repassado ao contratado.

Eventual apropriação por parte da Administração dos valores retidos infere em enriquecimento ilícito da Administração. Isto foi, inclusive, atestado pelo próprio Tribunal de Contas da União, para quem “os valores retidos têm somente duas destinações possíveis: pagamento à contratada, assim que comprovar que cumpriu suas obrigações, ou pagamento aos seus empregados, caso as circunstâncias assim recomendem”, conforme se depreende do Acórdão 3301/2015 do Plenário.

A partir de todo o exposto, conclui-se que é perfeitamente legal que a Administração inclua cláusula contratual que preveja a retenção de valores a título provisional de encargos trabalhistas, já tendo esta possibilidade, inclusive, passado pelo crivo do Tribunal de Contas da União. Entretanto, esta retenção não pode se confundir com sanção contratual, devendo se dar a partir de parâmetros sólidos, respaldado por cláusulas contratuais transparentes, de modo a dar previsibilidade ao contratado e, sobretudo, não o onerar de maneira desarrazoada e desproporcional.

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