TJSP estabelece importante requisito para IDPJ envolvendo confusão patrimonial em grupo econômico

Corte paulista entende que o incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) incide apenas caso o ato de confusão patrimonial envolva a sociedade cuja personalidade se quer ver desconsiderada.
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Renan Sequeira

Advogado egresso

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Síntese

Em decisão recente, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) entendeu que o IDPJ incide apenas na hipótese de o ato de confusão patrimonial envolver a sociedade cuja personalidade se quer ver desconsiderada. Assim, não pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica caso haja ato de confusão patrimonial em empresas que, embora pertençam ao mesmo grupo econômico, não sejam aquela cuja personalidade se quer ver desconsiderada.

Comentário

O incidente de desconsideração da personalidade jurídica (IDPJ) é importante instituto do ordenamento jurídico brasileiro, regulado pelos artigos 50 do Código Civil e 133 a 137 do Código de Processo Civil. Trata-se de uma medida, de caráter excepcional, que afasta a autonomia patrimonial da pessoa jurídica, caracterizada pela separação dos bens do sócio daqueles da sociedade. Em outras palavras, o IDPJ permite que a personalidade jurídica de uma sociedade seja afastada para que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares de administradores ou de sócios da pessoa jurídica. O inverso também pode ocorrer: é possível que os efeitos das obrigações dos administradores ou sócios da pessoa jurídica sejam estendidos aos bens particulares da sociedade (desconsideração inversa da personalidade jurídica).

O artigo 50 do Código Civil prevê que o IDPJ é aplicável apenas e tão somente em casos em que haja abuso da personalidade jurídica, que ocorre em duas hipóteses: em caso de desvio de finalidade ou em caso de confusão patrimonial. O desvio de finalidade é a utilização da pessoa jurídica com o propósito de lesar credores e a prática de atos ilícitos de qualquer natureza. Por outro lado, a confusão patrimonial ocorre quando há ausência de separação de fato dos patrimônios da sociedade e dos administradores ou sócios.

O presente texto versa sobre a confusão patrimonial. É que o TJSP, em decisão recente (apelação cível 1113974-91.2020.8.26.0100), traça importante requisito para que se caracterize a confusão patrimonial em casos em que há grupo econômico.

Antes de versar sobre a decisão em si, é importante destacar que o IDPJ pode ser aplicado em casos em que existe grupo econômico, que ocorre quando uma ou mais empresas, embora tendo cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra. Em alguns casos, principalmente quando se pretende frustrar credores, existe confusão patrimonial entre empresas pertencentes ao mesmo grupo econômico, o que atrai a incidência do IDPJ ____  isso para que o patrimônio das demais empresas do grupo econômico respondam pelas obrigações da sociedade cuja personalidade jurídica é desconsiderada.

A mera existência de grupo econômico não é suficiente para se concluir que o IDPJ é aplicável. É que, como se retira do artigo 50, §4º, do Código Civil e da jurisprudência pacífica dos tribunais brasileiros, a demonstração dos elementos caracterizadores do abuso da personalidade jurídica é imprescindível para a decretação da desconsideração da personalidade jurídica da empresa, os quais não se presumem pela existência de grupo econômico. Contudo, uma dúvida pode surgir: é preciso que a pessoa jurídica cuja personalidade se quer ver desconsiderada seja diretamente utilizada para a prática do ato de confusão patrimonial, ou basta que outras empresas integrantes do seu grupo econômico estejam envolvidas na prática desse abuso da personalidade jurídica?

A importância do recente julgado do TJSP é que, a partir dele, fica claro que é essencial para a desconsideração que o ato de confusão patrimonial ocorra no bojo da sociedade cuja personalidade se quer ver desconsiderada, pouco importando se houve ou não ato de confusão patrimonial que envolva outras empresas do mesmo grupo econômico. Isso na medida em que o acórdão do TJSP entendeu que é improcedente o IDPJ no qual não se demostra a existência de atos de confusão patrimonial especificamente no que concerne à sociedade cuja personalidade jurídica se quer ver desconsiderada.

Pode-se dizer que tal decisão deve ser comemorada, na medida em que reflete a lógica jurídica que perpassou a criação da figura do IDPJ. Afinal, a desconsideração da personalidade jurídica foi instituída para coibir, principalmente, a fraude contra credores, através do esvaziamento patrimonial da pessoa jurídica, muitas vezes em benefício de outras empresas que integram seu grupo econômico. Daí, se não há qualquer afetação do patrimônio da sociedade cuja personalidade se quer ver desconsiderada em ato de confusão patrimonial, mas tão somente de outras empresas que integram seu mesmo grupo econômico, não é legítima a desconsideração, já que nenhum ato foi praticado para fraudar especificamente os credores da sociedade cuja personalidade se quer ver desconsiderada.

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