Em comparação com outros países, a infraestrutura ferroviária brasileira é ainda deficitária, conforme dados abaixo:

Dentro da matriz nacional de transportes, o transporte ferroviário ocupa apenas 21,5%, num quadro de amplo predomínio do modal rodoviário, como se constata abaixo:

E o que é pior: estima-se que 33% da malha ferroviária encontra-se subutilizada.
Nesse cenário, ficava claro que a infraestrutura ferroviária nacional carecia de incentivos.
Inspirado no eficiente modelo norte-americano _ que promove a exploração ferroviária como atividade privada _, em 23.12.2021, foi sancionada a Lei n.º 14.273, importantíssima legislação que institui o novo marco legal do transporte ferroviário e que passa a vigorar em 45 dias de sua publicação.
Em sua lógica, a legislação visa incentivar investimentos privados na implementação, modernização e ampliação de ferrovias, no aproveitamento dos trechos inoperantes ou ociosos de ferrovias e na prestação do serviço ferroviário. Intenta-se desburocratizar o segmento de transporte ferroviário e dotá-lo de eficiência operacional e econômica.
Alguns pontos do novo marco regulatório merecem ser brevemente mencionados.
Primeiramente, a lei inova ao possibilitar a construção e operação de ferrovias em regime privado, em alternativa ao regime público de concessão (que ainda permanece, formando um sistema híbrido).
Permite-se a adesão ao regime de autorização para a construção de ferrovias, bem como para a exploração de trechos não implantados, ociosos ou em processo de devolução ou desativação. Neste regime, ao invés do tradicional modelo de concessões – em que a infraestrutura pública é transferida ao particular, após burocráticos procedimentos licitatórios _, as empresas privadas podem submeter projetos à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT).
Observados os requisitos legais do requerimento _ que deve ser acompanhado de estudo técnico e certidões de regularidade fiscal _ e havendo convergência com a política de transporte ferroviários, a autorização é concedida.
As externalidades positivas são claras: outorga-se maior autonomia técnico-operacional, maior liberdade e maior responsabilidade aos particulares. Quanto à distribuição de riscos há também uma disruptura: no novo regime, o risco da operação e dos investimentos recai sobre os particulares. A inovação é benéfica, já que o particular _ que concebe o projeto _ é quem poderá equacionar os riscos e avaliar a viabilidade técnica e econômica da exploração pretendida. Por seu turno, para garantir segurança aos particulares, sobretudo quanto à amortização dos investimentos, o prazo de duração da autorização pode ter duração de 25 a 99 anos.
Uma segunda novidade da Lei das Ferrovias consiste na permissão de investimentos de terceiros em ferrovias concedidas, mediante a criação das figuras do usuário investidor e do investidor associado. O primeiro corresponde à pessoa jurídica que investe no aumento de capacidade, no aprimoramento ou na adaptação operacional de infraestrutura ferroviária para viabilizar a execução de serviços ferroviários ou serviços acessórios e que atenda demanda específica em ferrovia que não lhe esteja outorgada.
Já o investidor associado é aquele que investe na construção, aprimoramento, adaptação, ampliação ou operação de instalações adjacentes para viabilizar a prestação ou melhorar a rentabilidade de serviços associados à ferrovia.
Por fim, relevante inovação concebida pela legislação diz respeito à autorregulação do setor.
As operadoras ferroviárias passam a ter a faculdade de associar-se sob a forma de pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos para promover a autorregulação. A lógica subjacente é que normas técnico-operacionais sejam instituídas pela entidade privada (fruto da associação das empresas) e não pela ANTT. Fica reservada à Agência o papel essencialmente regulatório e fiscalizatório.
Ao lado disso, a autorregulação ferroviária objetiva ainda promover a conciliação de conflitos entre seus membros e a aprovação de programas de manutenção, de contenção de riscos e de garantias das operações de transportes, entre outros objetivos. O autorregulador ferroviário, no entanto, fica sujeito à supervisão da ANTT, a quem caberá residualmente solucionar disputas não solucionadas. Por último, a autorregulação outorga aos particulares a coordenação, planejamento e administração em cooperação do controle operacional das malhas ferroviárias.
O que se constata, dessa breve análise, é uma promissora abertura do setor de transporte ferroviário para a participação e a eficiência econômica e operacional da iniciativa privada.
E os benefícios do novo marco regulatório já transparecem: em 2022, foram firmados seis contratos para a expansão do modal ferroviário e há mais 78 requerimentos em fase de análise, com estimativa de investimentos de R$ 237 bilhões e da ampliação do traçado ferroviário em mais de 20 mil quilômetros. Para se ter precisa noção da magnitude dos projetos concebidos por particulares, basta notar que o Brasil tem, até hoje, aproximadamente 29 mil quilômetros de linhas férreas.
O novo marco regulatório, portanto, surge em boa hora. É um estímulo à desburocratização e à eficiência do setor. E, parafraseando um memorável economista e ministro do Planejamento, não seremos salvos pela caridade, mas pela eficiência.