Vinculação setorial (contratual) de recursos em projetos rodoviários

Mecanismos de contas que compõem colchões de recursos para endereçar eventos de desequilíbrio não são apenas salutares, mas necessários.

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Projetos de concessões rodoviárias têm tornado mecanismo de contas geridas por bancos depositários lugar-comum. Trata-se de boa prática que “pegou” e vem evoluindo para incrementar a atratividade de tais projetos.

O propósito do mecanismo é garantir liquidez por meio da criação de colchão de recursos para fazer frente a eventos de recomposição de equilíbrio econômico-financeiro (EEF).

No setor, a primeira previsão do mecanismo foi no projeto do sistema rodoviário Piracicaba-Panorama (PiPa). Lançado pelo Estado de São Paulo ao final de 2019, o projeto foi modelado com apoio da International Finance Corporation (“IFC”), braço do World Bank Group.

O racional do mecanismo de contas em PiPa foi criar Contas Reservas (uma para eventos gerais de recomposição e outra para mecanismo de proteção cambial) nas quais transitariam recursos derivados da própria concessão, inicialmente depositados em uma Conta Centralizadora (tarifas físicas e eletrônicas).

Parte das tarifas arrecadadas, que deveria ser vertida a título de outorga variável ao Concedente, ficam depositadas temporariamente nas Contas Reservas. Além disso, inicialmente o valor de outorga fixa (equivalente ao lance vencedor do leilão) também ficaria depositado na Conta Reserva.

Ademais, o projeto de PiPa estipulou uma Conta de Ajuste, na qual seriam depositados valores oriundos da diferença entre a tarifa cobrada e a tarifa devida à concessionária, definida a partir da incidência de fator de desconto por atraso ou inexecução de obras e do índice de qualidade e desempenho do serviço. No âmbito de revisões ordinárias, os recursos da Conta de Ajuste podem ser utilizados para recomposição de EEF, prioritariamente, e modicidade tarifária.

O depósito e manutenção temporária anual de valores nas referidas contas destinados ao Concedente é uma engenhosidade que cria espécie de vinculação dos recursos que nascem do contrato para garantir a saúde econômico-financeira do contrato em eventos de EEF.

No âmbito federal, o primeiro projeto com mecanismo de contas foi o da BR-153/414/080/TO/GO, assinado em 2021. Esse projeto também contou com apoio do IFC.

A principal diferença do mecanismo de contas do projeto federal para o projeto de PiPa diz respeito ao fato de que os recursos daquele (denominado de recursos vinculados) não seriam vertidos para o Concedente. Na largada, a concessionária abriria mão de parte de sua receita tarifária para que fosse constituído colchão de recursos (na denominada Conta de Ajuste). Essa lógica foi, em boa medida, replicada no projeto de concessão rodoviária do Triângulo Mineiro do Estado de Minas Gerais.

Ainda, os descontos tarifários incidem direto na tarifa, de modo que não há dinâmica similar à Conta de Ajuste de PiPa.

O mecanismo foi refinado para os projetos federais subsequentes: a nova concessão da rodovia Presidente Dutra, assinada no começo de 2022, previu que 50% do valor do lance seria também utilizado para compor o colchão de recursos (além da previsão de contas voltadas para trecho específico e uma conta específica de sistema automático livre (free flow); o projeto do sistema Rodoviário Rio de Janeiro (RJ) – Governador Valadares (MG), assinado em agosto de 2022, aumentou para 90% o valor sobre o lance ofertado.

Em setembro último, foi leiloado o projeto do sistema do Lote Noroeste de São Paulo. E esse projeto avançou no que diz respeito “à vinculação setorial de recursos”: a maior novidade é a criação de uma Conta Multa para o depósito de valores recolhidos pelo DER-SP, autarquia do Governo do Estado de São Paulo, por multas aplicadas por evasão de pedágio. Esse mecanismo específico foi concebido para desequilíbrios derivados de evasão no bojo do free flow, o qual será implantado na integralidade do sistema rodoviário concedido.

A composição do colchão com recursos que, naturalmente, se destinariam ao Concedente incrementa a atratividade dos projetos e ajuda a consolidar uma lógica de vinculação setorial de recursos (ainda que restritos dentro dos respectivos sistemas rodoviários delegados) que agrega valor a tais projetos, blindando as partes e garantindo liquidez no caso de eventual EEF.

Em um país que enfrenta dificuldades orçamentárias, sistemas que permitem a referida vinculação para endereçar temas de desequilíbrio não são apenas salutares, mas necessários para garantir atratividade. Essa boa prática deve continuar sendo replicada, refinada e adaptada de acordo com particularidades de cada projeto de concessão, independentemente do setor.

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