Síntese
O Superior Tribunal de Justiça decidiu acerca da utilização de água mineral como insumo industrial e das restrições regulatórias nisso envolvidas. Considerou o STJ que a fiscalização federal é necessária para qualquer uso de água mineral, destacando a competência da União Federal para tanto. Nessa medida, a decisão reforça a atuação da Agência Nacional de Mineração sobre a utilização de água mineral – inclusive em processos industriais.
Comentário
Em abril de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) publicou relevante decisão (REsp 1490603) acerca da utilização de água mineral como insumo em processos industriais e das restrições regulatórias que incidem a referida atividade.
A discussão teve início a partir de julgamento do Tribunal Regional Federal (TRF) da 4ª Região. A Corte local entendeu que a utilização de água como insumo em processo industrial não estaria sujeita à prévia autorização federal. A referida autorização se faria necessária tão somente diante das hipóteses de extração de água mineral para envase ou para fins balneários. No caso concreto, já havia autorização para exploração do recurso por órgão estadual, tornando dispensável a atuação do respectivo órgão federal.
Remetida ao Superior Tribunal de Justiça a partir de recurso do Ministério Público Federal, a Corte analisou, primeiro, as definições legais e constitucionais aplicáveis ao caso. Do ponto de vista legal, o art. 1º do Código de Águas Minerais (Decreto-Lei 7.841/1945) estabelece que “águas minerais são aquelas provenientes de fontes naturais ou de fontes artificialmente captadas que possuam composição química ou propriedades físicas ou físico-químicas distintas das águas comuns, com características que lhes confiram uma ação medicamentosa”. Do ponto de vista constitucional, o art. 20, IX da Constituição Federal, elenca como bem da União Federal “os recursos minerais, inclusive os do subsolo”. No que concerne à questão regulatória, o tema é tratado no âmbito da Agência Nacional de Mineração (ANM), sucessora do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), conforme Lei n.º 13.575/2017.
Na decisão de origem (proferida pelo TRF-4), considerou-se que a necessidade de autorização e fiscalização da utilização de água mineral pelo órgão federal (DNMP, sucedido pela ANM) estaria dispensada em razão da destinação do bem no caso concreto, a qual não teria conotação de exploração econômica direta. O Superior Tribunal de Justiça, no entanto, entendeu que nem o Código de Minas, nem o Código de Águas Minerais, realizam tal restrição, ou seja, não condicionam a incidência da fiscalização federal em razão do caráter de exploração econômica direta do bem.
De acordo com o STJ, o regime legal incidente – e a proteção legislativa daí decorrente – se destinam à tutela do recurso natural em si considerado e não à sua destinação final. Assim, a necessidade de autorização e fiscalização sobre a utilização de tal recurso decorre da caracterização de água mineral a partir da sua composição e propriedades físico-químicas, a diferenciá-las das águas comuns. É indiferente, nesse caso, a utilização que se confere ao referido recurso – se diretamente comercial ou não.
A partir da interpretação conferida pelo STJ, o regime legal, ao tratar de recursos aproveitáveis, estabelece conceito indeterminado, a indicar que todo e qualquer recurso mineral é de propriedade da União, independentemente do seu potencial comercial. Por consequência, é prerrogativa da União Federal autorizar ou não a exploração de tais bens, qualquer seja a finalidade de tal exploração.
Para o STJ, permitir que referida exploração se dê por meio tão somente de autorização de órgão estadual viola o regime constitucional incidente ao bem em questão, que garante a propriedade da União. Há competência absoluta do órgão designado para esta finalidade em âmbito federal.
O STJ destaca, ainda, que o controle da União Federal sobre a água mineral não se confunde com eventual fiscalização destinada ao resguardo da população que pode vir a consumi-la. Embora referido interesse também exista, não é o único: há um interesse próprio da União na tutela do bem natural, ao qual incide notória predominância de imperativos de interesse público a prevalecerem sobre o particular.
A decisão do STJ, ao versar sobre a divisão de competências entre União Federal e Estados na fiscalização da utilização de referidos insumos, bem como orientar interpretação que a Corte confere ao espaço de atuação da Agência Nacional de Mineração, veicula relevante precedente a ser considerado pelos atores da atividade industrial. É necessário se considerar, a partir de referida decisão, a compreensão expansiva a ser conferida pela jurisprudência quanto ao espaço de atuação da ANM no que tange à utilização, para qualquer finalidade, de água mineral.