Foram noticiadas recentemente decisões judiciais acerca dos contratos de parcerias público-privadas (PPPs) de escolas do Estado de São Paulo, ora suspendendo, ora liberando as contratações.
As decisões proferidas em março de 2025 estão relacionadas a dois leilões realizados em outubro e novembro de 2024 para a concessão administrativa de escolas estaduais. Mas a discussão não é nova. Em outubro de 2024, os leilões foram realizados após decisão do TJSP suspendendo os efeitos de liminar que havia sido concedida para obstar as licitações.
Qual é o debate jurídico que permeia essas decisões judiciais?
Os contratos discutidos têm por objeto a construção e a gestão administrativa de 33 unidades escolares do Estado de São Paulo, incluindo serviços de manutenção e conservação. O prazo dos contratos é de 25 anos.
As decisões judiciais que suspenderam as contratações, por possível ilegalidade do decreto que autorizou os leilões, adotam argumentos no sentido de que estaria sendo concedido o próprio serviço público de educação, de modo a colocar em risco a autonomia pedagógica e a gestão democrática das escolas públicas. Sustentam que o espaço físico seria indissociável da atividade pedagógica, de modo que a gestão privada da infraestrutura das unidades educacionais poderia comprometer a autonomia da atividade desenvolvida em sala de aula. No fundo, alega-se que a gestão do espaço físico escolar não seria passível de delegação. Diante disso, consideraram ilegal o decreto que autoriza as concessões administrativas.
Já as decisões favoráveis às contratações partem de premissa de que a concessão dos serviços não pedagógicos à iniciativa privada seria legítima, não havendo vedação legal para tanto. À medida que as atividades pedagógicas das unidades continuarão sendo geridas pela Secretaria Estadual de Educação, seria válida a sua delegação. Condições mais adequadas de infraestrutura física na verdade podem contribuir para o melhor desempenho das atividades pedagógicas.
Destaca-se a decisão do Min. Luís Roberto Barroso, na SL 1805, que suspendeu as liminares que haviam sido concedidas para suspender as contratações. Partindo da premissa de que a delegação dos serviços não implica a perda da sua titularidade pelo Estado, observa que os serviços objeto dos contratos não abrangem atividades pedagógicas. Compreendem atividades como manutenção predial, limpeza e vigilância, que usualmente já são desempenhadas por terceiros contratados por licitação.
O tema é relevante não apenas em relação a esse caso específico, mas para a política educacional do país como um todo. A gestão privada dos espaços físicos das escolas tem sido vista como uma alternativa adequada e eficiente para a melhoria do ambiente escolar. O iRadarPPP indica que, ao longo de 2024, foram 92 as iniciativas de PPPs em educação, em face das 9 iniciativas de todo o ano de 2023. Por exemplo, em 01/04/25, o Estado de São Paulo autorizou a publicação de edital para transferir para a iniciativa privada a gestão de 143 escolas públicas. O Estado do Paraná prevê conceder a gestão de 204 colégios estaduais. O Estado do Rio Grande do Sul planeja conceder a operação e manutenção de 99 unidades escolares.
As concessões voltadas à infraestrutura social – englobando principalmente projetos de educação, saúde, habitação, sistemas prisional e funerário – com alguma frequência passam por discussões acerca da delegabilidade de seu objeto. Os debates dizem respeito à interpretação a ser dada ao art. 4o, inc. III, da Lei n. 11.079/2004, que veda a delegação de funções de “regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado”. A discussão gira em torno do que seriam atividades exclusivas do Estado.
É o debate que se observou, por exemplo, nas concessões de sistemas prisionais. A tentativa de concessão de quatro unidades prisionais pelo Estado de São Paulo em 2019 foi inicialmente obstada pelo Judiciário e depois autorizada (TJSP, Agravo Interno 2230040-83.2019.8.26.0000). De um lado, alega-se que implicaria a privatização da execução da pena. Por outro, sustenta-se que a delegação não abrangeria a atividade-fim do Estado.
A diferenciação das atividades passíveis de delegação daquelas que são exclusivas do Estado é essencial para se identificar a legalidade do objeto da concessão. A gestão da infraestrutura social com frequência envolve uma ampla gama de atividades, sendo parte delas passível de execução privada por não envolverem atividades exclusivas do Estado. Ainda que a atividade-fim possa ser exclusiva do Estado, há determinadas etapas dos serviços e atividades acessórias e auxiliares que comportam execução privada. A extensão maior ou menor da participação privada em concessões de infraestrutura social vai depender do exame de cada objeto contratado e das atribuições previstas aos particulares.
A gestão de infraestrutura social por parceiros privados propicia a concentração de esforços do Estado nas suas atividades-fim. A busca legítima do lucro pelo privado não é obstáculo para a prestação adequada dos serviços se o contrato estipular obrigações e indicadores de desempenho claros e adequados.
Logo, a análise específica do objeto de cada contratação é essencial para se diferenciar o que é passível de delegação. Vedações amplas e generalizadas de delegação privada não contribuem para o debate e afastam a possibilidade de adoção de soluções mais eficientes para a execução de atividades estatais.