A Reforma Tributária e os contratos de concessão de rodovias

Conheça alguns dos impactos da reforma tributária nas concessões e o procedimento previsto para o reequilíbrio.

Compartilhe este conteúdo

Desde a apresentação do primeiro Projeto de Emenda Constitucional que tratava da reforma tributária, houve várias mudanças e adaptações, em decorrência de demandas técnicas ou políticas, que impactaram o texto inicial.

A ideia de um imposto único no lugar dos tributos incidentes sobre a produção e consumo ficou pelo caminho, assim como outros propósitos – como por exemplo a suposta simplificação do sistema.

O objetivo da reforma sempre foi de simplificar e equalizar a tributação dos serviços e processos produtivos. Naturalmente, se a ideia é equalizar um sistema fechado, ao final, apesar das mudanças, é necessário manter o equilíbrio inicialmente estabelecido entre as partes. Dentro desse contexto, os contratos de concessão serão significativamente impactados pela reforma tributária.

Definição do local de prestação e de recolhimento

Uma das principais mudanças na reforma é a adoção do local do consumidor final como fator determinante para fins de determinação do sujeito ativo da obrigação tributária.

Em outras palavras, o resultado da arrecadação (direto ou via repasse), como regra, é devido ao Estado/Município no qual o destinatário da mercadoria ou do serviço estiver localizado. Assim, independentemente de onde a unidade produtora ou prestadora estiver localizada, o recolhimento de IBS e CBS será devido no local do consumidor.

Em um primeiro momento, isso poderia ser um problema para as concessionárias de rodovias, pois em tese teriam de identificar o endereço de residência de cada um dos usuários, o que tornaria impraticável o recolhimento dos novos tributos.

No entanto, a própria regulamentação já endereçou essa questão (como uma exceção à regra geral acima), determinando que os valores serão devidos ao local onde se encontra a malha rodoviária de maneira proporcional à respectiva quilometragem.

Resolvida a questão sobre local de prestação e recolhimento, ponto específico que sobressalta ficou por conta do reequilíbrio a ser promovido nos contratos.

Reequilíbrio Econômico-Financeiro dos Contratos Públicos

Tamanha é a importância do tema de reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos entre entes públicos e empresas privadas, incluindo os contratos de concessão, que na regulamentação da reforma tributária (Lei Complementar 214/2025) foi inserido um capítulo específico procurando disciplinar a questão.

O primeiro ponto a que as empresas devem se atentar é o fato de que somente os contratos anteriores a janeiro de 2025 (data de publicação da lei complementar) estarão sujeitos às determinações do artigo 373 e seguintes da regulamentação da reforma tributária. O que significa dizer que, para novas concessões, os interessados já devem prever os impactos tributários a longo prazo quando da elaboração da respectiva proposta, considerando, ainda, o período de transição que vai até o ano de 2030.

Nesse sentido, é muito importante o artigo 374 da LC, que resume todos os conceitos e premissas sobre as eventuais repactuações de contratos com a Administração Pública:

Art. 374. Os contratos vigentes na entrada em vigor desta Lei Complementar celebrados pela administração pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, inclusive concessões públicas, serão ajustados para assegurar o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro em razão da alteração da carga tributária efetiva suportada pela contratada em decorrência do impacto da instituição do IBS e da CBS, nos casos em que o desequilíbrio for comprovado. (grifos nossos)

Em função da natureza não-cumulativa dos novos tributos que irão incidir sobre as receitas operacionais das concessionárias de rodovias (IBS e CBS), a questão-chave do mencionado artigo para fins de reequilíbrio é o conceito de “carga tributária efetiva suportada”, conforme destacado no texto original acima.

A simples constatação do aumento da alíquota dos tributos (o que deverá ser uma realidade para as concessionárias do setor rodoviário) não será condição suficiente para requerer o reequilíbrio, sendo necessária a demonstração de que a efetiva carga tributária causou um desequilíbrio econômico-financeiro.

Ademais, a Administração Pública pode, de ofício, revisar os contratos públicos se constatar que a reforma tributária desonerou o contribuinte. Nesse sentido:

Art. 375. A administração pública procederá à revisão de ofício para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro quando constatada a redução da carga tributária efetiva suportada pela contratada, nos termos do art. 374 desta Lei Complementar, assegurada a esta a manifestação.

Apesar de o permissivo legal aparentemente autorizar que o reequilíbrio em desfavor da concessionária ocorra “de ofício”, isso jamais pode significar a dispensa do devido processo administrativo e da observância das garantias do contraditório e da ampla defesa. Assim, a parte final do dispositivo, que assegura a manifestação do contratado, deve ser lida de modo conjunto com as garantias constitucionais do processo administrativo, de modo que essa manifestação seja propiciada necessariamente antes de qualquer decisão do contratante.

Dados, levantamentos e procedimentos serão necessários para fins de determinação do desequilíbrio para formulação de pleito de reequilíbrio ou contestação de reequilíbrio de iniciativa do poder público, sendo que um ponto muito importante a ser considerado é a diferença entre a sistemática cumulativa à qual atualmente se sujeitam as concessionárias de rodovias e o sistema não-cumulativo que entrará em vigor após a reforma.

Não-Cumulatividade do IBS e CBS

Os tributos incidentes sobre as receitas das concessionárias de rodovias são considerados como cumulativos (PIS/COFINS/ISSQN), ou seja, os valores recolhidos pelos respectivos contribuintes são calculados sobre a receita, sem a possibilidade de apropriação e desconto de quaisquer créditos dos insumos e outras despesas.

No entanto, com a extinção dos tributos acima, as concessionárias de rodovias passarão a recolher a CBS e o IBS, com alíquotas combinadas superiores (de 8,65% para cerca de 28%), o que de pronto poderia dar suporte para a um pleito de reequilíbrio.

Contudo, os contribuintes devem se atentar ao fato de que a sistemática desses novos tributos será a de não-cumulatividade. Nessa sistemática, o contribuinte calcula os créditos sobre as despesas e insumos para a prestação de serviços – sendo importante destacar que as chamadas despesas de depreciação também gerarão créditos, já garantidos para fins do CBS, mas que devem ter o mesmo procedimento para o IBS, pelo menos na parte referente aos Estados.

Além disso, deve-se considerar que nos próximos quatro anos as concessionárias de rodovias irão conviver com dois sistemas tributários, o chamado período de transição no qual todos os tributos irão coexistir, trazendo maior complexidade para fins de comprovação da necessidade de reequilíbrio.

E um ponto crucial que se deve ter em mente é o fato de que os tributos incidentes sobre as receitas operacionais das concessionárias de rodovias passarão a ser não-cumulativos, nos quais os contribuintes de fato passam a ser os usuários finais.

Nesse cenário, portanto, assumindo que as premissas desse tipo de recolhimento não serão alteradas por eventuais regulamentações em nível estadual e municipal, importará validar se o aumento da alíquota combinada de 8,65% (PIS/COFINS/ISSQN) para 28% (CBS/IBS) acarretará, de fato, um aumento da carga tributária para as concessionárias de rodovia, a fim de, caso se confirme o incremento, lastrear eventuais pleitos de reequilíbrio contratual. De modo análogo, caso se conclua ter ocorrido redução, e não aumento, da carta tributária, é provável que os poderes concedentes deflagrem processos de reequilíbrio em seu favor, o que demandará atenção e cuidado por parte de todo o setor.

Gostou do conteúdo?

Faça seu cadastro e receba novos artigos e vídeos sobre o tema
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.