O que muda com a alteração do critério de correção dos depósitos judiciais federais?

Portaria do Ministério da Fazenda regulamenta a alteração de Selic para IPCA e gera questionamentos

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Uma recente alteração na regra de correção dos depósitos judiciais de natureza tributária federal foi introduzida pela Portaria MF 1.430/2025, de 4 de julho de 2025. A norma veio regulamentar a Lei 14.973/2024, de setembro de 2024, que estabelecia o uso de um “índice que reflita a inflação” para a correção monetária de depósitos judiciais tributários. Com a nova sistemática, verificam-se mudanças substanciais para os Contribuintes que utilizam essa modalidade de garantia em discussões judiciais. 

A principal alteração, que entrará em vigor já a partir de 1º de janeiro de 2026, é a substituição da Taxa Selic pelo Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) como índice de correção para esses novos depósitos. Antes da vigência da Portaria, os montantes depositados seriam submetidos à correção pela Taxa Selic, o que representava remuneração em torno de 15% ao ano. O novo índice, IPCA, registra historicamente índices inferiores à Selic e acumula no mesmo período uma alta em torno de 5,5%, o que representa uma significativa mudança. 

A propósito de garantir segurança jurídica, a norma estabelece que os valores depositados até 31 de dezembro de 2025 continuarão a ser corrigidos pela Selic até sua liberação final.

Esta troca de um índice que inclui juros reais (Selic) por outro que apenas reflete a inflação acarreta importantes consequências financeiras e estratégicas. A consequência mais sensível é que o depósito judicial perde seu caráter remuneratório e passa a ter uma função meramente compensatória, visando apenas manter o poder de compra do valor, sem expectativa de ganho real para o Contribuinte. Por consequência, a medida do Governo pode tornar o depósito em dinheiro menos atrativo e deve desestimular seu uso como garantia processual, levando os Contribuintes a buscarem estratégias alternativas para a gestão de passivos tributários. 

Com essa redução da atratividade, espera-se uma maior procura por outras formas de garantia, como o seguro garantia, a fiança bancária e até garantias com imóveis. Embora seja legalmente autorizada a substituição de depósitos já existentes, o processo não é automático e normalmente enfrenta resistência da Fazenda Nacional, gerando incertezas que devem ser submetidas a discussões judiciais.

A mudança também levanta um debate sobre a isonomia no processo tributário. Isso ocorre porque a União corrige as suas dívidas com base na Selic, mas, segundo a Portaria, devolverá os valores depositados, em caso de derrota judicial, com correção apenas pelo IPCA. Essa assimetria pode ser questionada judicialmente. Outro ponto que tem sido objeto de debate é a tributação sobre os valores devolvidos ao contribuinte. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já havia firmado entendimento de que os juros contidos na Selic têm natureza remuneratória e são, portanto, tributáveis. Neste novo cenário, com a incidência apenas do IPCA, que representa mera recomposição inflacionária, o Contribuinte poderá sustentar que não há acréscimo patrimonial a ser tributado e deixar de submeter à tributação.

Outro aspecto que pode comprometer a utilização dos depósitos judiciais pelos Contribuintes é uma possível desvantagem na obtenção de benefícios e descontos em negociação de transações de débitos com a Fazenda Nacional. Os editais não costumam considerar os depósitos como um fator determinante na concessão dos descontos dos débitos negociados. 

Por fim, a Portaria trouxe alguns aspectos que podem ser entendidos como positivos. O primeiro é que o documento para realizar o depósito judicial poderá ser emitido eletronicamente, eliminando a necessidade de comparecimento a uma agência bancária. O segundo é que, nos casos em que a empresa venha a perder a ação judicial garantida por depósito e os valores sejam transferidos para o Tesouro, a diferença entre os critérios de correção não será objeto de pedido de complementação do valor pela Fazenda Nacional. O depósito judicial integral tem natureza de pagamento desde a data de realização, evitando discussões sobre eventual diferença entre os índices.

O possível desestímulo à utilização dos depósitos judiciais como garantia e todas as discussões adjacentes à alteração do critério de correção pela medida do Governo ainda estão em processo de debate. Por isso, uma análise criteriosa deve ser empreendida na avaliação caso a caso para otimizar as decisões sobre a alocação de recursos do Contribuinte no saneamento de passivos tributários. 

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