A banalização do dano moral: uma crítica à decisão do TJRS sobre falha no fornecimento de internet

Crítica à decisão que considera que o fornecimento de internet em patamar inferior ao estabelecido pela ANATEL configura danos morais
Marcus-Paulo-Röder

Marcus Paulo Röder

Advogado egresso

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Síntese

Não se discute aqui o direito a indenização por danos materiais (restituição de parte dos valores pagos) em razão da configuração da falha na prestação do serviço (considerada com incontroversa nos autos). O que se pretende criticar é o entendimento do Tribunal gaúcho de que tal ato ilícito contratual (descumprimento de fornecimento da velocidade contratada) configuraria dano extrapatrimonial indenizável (dano moral).

Comentário

Em decisão unânime, os desembargadores da 11ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul mantiveram a sentença proferida pelo 2º Juizado da 2ª Vara Cível de Santa Maria que condenou uma operadora de serviços de internet a indenizar duas consumidoras, de uma mesma família, na quantia de R$ 5 mil cada, a título de danos morais, em razão da configuração de falha na prestação de serviço (fornecimento em desacordo como parâmetros mínimos de velocidade de banda larga, estabelecidos pela Agência Nacional de Telecomunicações).

No caso concreto, a decisão reconheceu que a velocidade fornecida pela empresa demandada, conforme as análises de medições de velocidade juntadas aos autos, não atingia sequer o equivalente a 10% do total contratado – enquanto que as metas fixadas pela agência reguladora (Anatel) determinam que as prestadoras de serviços de internet devem garantir mensalmente, em média, 80% da velocidade contratada pelo usuário e a velocidade instantânea (aferida para download, sem necessidade de simetria para upload) deve ser de, no mínimo, 40% da contratada. O TJRS também confirmou a condenação consistente no dever de restituir 90% dos valores pagos, durante o período (março de 2014 a janeiro de 2015).

Pois bem. Não se discute aqui o direito à indenização por danos materiais (restituição de parte dos valores pagos) em razão da configuração da falha na prestação do serviço (considerada como incontroversa nos autos). O que se pretende criticar é o entendimento do Tribunal gaúcho de que tal ato ilícito contratual (descumprimento de fornecimento da velocidade contratada) configuraria dano extrapatrimonial indenizável (dano moral).

Tal posicionamento contraria o posicionamento consolidado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) no sentido de que o mero descumprimento contratual não enseja reparação moral, devendo haver comprovação de que os dissabores experimentados ultrapassam o mero aborrecimento para que se configure danos morais.

Neste sentido, também se rememora que o Código de Defesa do Consumidor prevê que, na hipótese de falha na prestação do serviço (vício do serviço, art. 18), o consumidor pode exigir, à sua escolha: a) a rescisão contratual com a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou b) o abatimento proporcional do preço.

No caso em comento, com o devido respeito a opiniões contrárias, o TJRS teria acertado caso tivesse confirmado tão somente o dano patrimonial (restituição dos valores pagos) e exigido a comprovação para indenização por eventuais perdas e danos. Porém, conforme consta na ementa do acórdão, o TJRS considerou que se trata de “dano in re ipsa” – ou seja, o dano estaria vinculado à própria existência do fato ilícito (ainda que contratual), “cujos resultados causadores de ofensa moral à pessoa são presumidos, independendo, portanto, de prova”.

Colhe-se do voto do relator de que a falha na prestação do serviço, além de aborrecimentos, teria acarretado em “frustrações e receios que configuram o dano moral, pois violam direitos vinculados diretamente à tutela da dignidade humana”.

Ora, mas o consumidor não poderia ter simplesmente apontado o descumprimento contratual, requerido a rescisão com restituição das quantias pagas ou abatimento proporcional do preço? Não parece crível que tal situação tenha atingido os direitos da personalidade ou gerado abalo à psique, elementos exigidos para configuração de dano moral.

Infelizmente, são por fundamentações forçosas como essa, na clara tentativa de se utilizar a indenização por danos morais de forma claramente punitiva (em clara ofensa ao artigo 944 do Código Civil), que se confirma o lamentável cenário de banalização deste importante instituto.

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