A infraestrutura digital já não é somente um suporte invisível da economia, nem se limita à infraestrutura de dados: ela se constitui como aparato físico de inovações e tecnologias de ponta. Da mesma maneira, data centers, cabos submarinos, redes de fibra óptica e torres 5G não são apenas equipamentos tecnológicos ou meros instrumentos periféricos; configuram-se como obras complexas, carregadas de implicações regulatórias, ambientais, contratuais e sociais. Mesmo para a veiculação deste artigo, existe um alicerce material que a possibilitou. Sem que houvesse uma estrutura física para a transferência de dados, este texto não teria sido publicado na web, nem chegaria ao seu leitor.
Para lidar com essa realidade e circunstâncias peculiares, é preciso reconhecê-las – com todos os seus riscos e oportunidades – sob uma lente que combine engenharia, inovação e até mesmo propósito público. Mais do que isso, é preciso considerar que as demandas atreladas a essas infraestruturas são dinâmicas, multidisciplinares e intersetoriais. Energia, comunicação, meio ambiente, saneamento, indústria, mineração e mobilidade, por exemplo, estão atrelados ao seu uso.
Sobreleva notar, ainda, a velocidade com que novas tecnologias são desenvolvidas e incorporadas, o que exige que a contratação desses empreendimentos seja estruturada com modularidade e previsibilidade para atualização de premissas conforme avanços tecnológicos. Um exemplo da interação multisetorial são os cabos submarinos instalados na Praia do Futuro, em Fortaleza/CE, que asseguram a interconexão do Brasil com o restante do mundo. Por sua relevância estratégica – econômica e comunicacional –, essas infraestruturas demandam atenção especial em relação à segurança dos cabos ópticos. Essa preocupação foi determinante, inclusive, para o atraso e a posterior alteração do local previsto para a instalação de uma usina de dessalinização naquela região.
Há, ainda, a construção de data centers, que exige logística, refrigeração, estabilidade elétrica e operação contínua, especialmente porque a escassez de energia ou água pode comprometer o serviço. O consumo vultoso de recursos hídricos e elétricos por esse tipo de operação demanda, pois, a adoção de estratégias que conciliem desenvolvimento com regras de sustentabilidade.
Foi nesse contexto que a Medida Provisória nº 1.318/2025, editada em setembro, criou o Redata: programa que estimula data centers, objetivando fomentar o crescimento nacional em áreas da chamada “Indústria 4.0” e ampliar a capacidade nacional de armazenamento, processamento e gestão de dados.
Os incentivos estabelecidos pelo Redata são vinculados: (i) a critérios de sustentabilidade, eficiência hídrica e energia renovável ou limpa; (ii) à exigência de que ao menos 10% dos serviços sejam destinados ao mercado interno; e (iii) a contrapartidas financeiras em pesquisa e desenvolvimento em cadeias digitais no Brasil – atenuadas para investimentos no Norte, Nordeste e Centro-Oeste.
O país soma vantagens competitivas relevantes: geração de energia a partir de fontes renováveis e segurança na oferta de energia, garantida por matriz diversificada. Além disso, a instalação de data centers pode mitigar o curtailment – cortes compulsórios de geração por excesso de oferta – ao criar demanda local capaz de absorver energia antes desperdiçada.
Além de servir como base para empresas privadas, a infraestrutura digital pode ser alicerce do “Governo Digital” e de cidades inteligentes. A utilização desses recursos tem potencial para aprimorar processos públicos, garantir direitos e elevar a eficiência administrativa – como se observa, por exemplo, no portal Gov.br.
Para viabilizar esses projetos no setor público, PPPs e concessões são promissores, pois permitem distribuir risco e usar capital privado em iniciativas de longo prazo. Contudo, são contratações complexas que envolvem riscos, exigências regulatórias e demandam assessoramento jurídico especializado.
Todo esse cenário confirma que a infraestrutura digital deve ser tratada como obra pesada – não por mera metáfora, mas por sua materialidade e impacto. Envolve contratos sofisticados, autorizações de órgãos reguladores (como ANATEL e ANEEL), licenciamento ambiental e a possibilidade de estruturação em concessões e PPPs. Reconhecê-la assim é fundamental para alinhar desenvolvimento tecnológico, segurança jurídica e sustentabilidade, colocando o “cimento digital” a serviço da economia, da administração pública e da sociedade.