Aluguel por meio de plataformas digitais: vedação em condomínios residenciais

Aluguel por meio de plataformas digitais em condomínios residenciais: proibição pelo STJ em razão da configuração de destinação comercial.
Luciana-Carneiro-de-Lara

Luciana Carneiro de Lara

Advogada egressa

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A tendência do mundo globalizado é que as relações interpessoais ocorram, em sua grande parte, por intermédio da Internet. Não bastasse essa consequência natural da evolução da sociedade, pode-se dizer que as medidas de isolamento social adotadas em virtude da pandemia do coronavírus aceleraram ainda mais esse processo. Portanto, a transformação econômica decorrente das negociações realizadas por meio de plataformas digitais (Uber, Airbnb, Doghero, dentre outros) só tende a aumentar.

Ao mesmo tempo que tais inovações representam um avanço, trazendo consigo muitas facilidades e benefícios, também provocam muitos problemas, cujas discussões acabam por desembocar no Poder Judiciário.

Uma delas é a possibilidade de os condomínios residenciais permitirem ou proibirem a exploração comercial das unidades por curtos períodos (via Airbnb), pelos seus respectivos proprietários.

De um lado, tem-se o direito de propriedade, situação jurídica que abrange as faculdades de usar, gozar e dispor da coisa e que autoriza a exploração do imóvel pelo proprietário de forma absoluta e ilimitada. Por outro lado, essa concepção individualista cedeu espaço à função social da propriedade, segundo a qual a propriedade é guiada pela sua utilidade social, protegida pela da Constituição Federal (artigos 5°, XXIII, 170, III e 182, §2º).

Logo, qualquer conceito de propriedade deve partir da sua função social, isto é, a sua utilização deve atender a interesses sociais relevantes, excluindo a ideia de poder ilimitado.

A partir dessa premissa, a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ, em recente decisão, entendeu que condomínios residenciais podem proibir a locação de imóveis por intermédio de plataformas digitais, a exemplo do Airbnb (REsp n.º 1.819.075).

Para chegar a tal conclusão, foram apreciados diversos argumentos e institutos jurídicos, tais como a locação residencial, a locação por temporada e a hospedagem.

A locação residencial é aquela voltada à moradia, geralmente fixada por um grande período de tempo. A Lei do Inquilinato (8.245/91), inclusive, incentiva a celebração de contratos de longa duração, com vigência igual ou superior a 30 meses (embora seja possível a contratação por prazo inferior).

A locação por temporada, por sua vez, estabelece prazo máximo de 90 dias e se destina à residência temporária do locatário para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, realização de obras em seu imóvel e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo.

Por último, o contrato de hospedagem é aquele previsto na Lei 11.771/08, que regulamenta a hospedagem para turismo e prevê, necessariamente, o oferecimento de serviços (portaria, segurança, limpeza e arrumação de cômodos).

Assim, considerando que a “hospedagem” em um quarto ou imóvel residencial por breve período de tempo não se enquadra em nenhuma das modalidades anteriores, surgiu a dúvida sobre a possibilidade de os condomínios residenciais permitirem ou não a exploração econômica via Airbnb.

O ministro Luis Felipe Salomão votou no sentido de não ser possível caracterizar a atividade realizada pelos proprietários como comercial: “A alegação de alta rotatividade de pessoas, ausência de vínculo dos ocupantes e suposto incremento patrimonial dos recorrentes, não demonstrado, não servem para configuração da exploração comercial dos imóveis, sob pena de desvirtuar a própria caracterização da atividade.”

Em sentido oposto, o ministro Raul Araújo ressaltou que residência é a morada de quem chega e fica, considerando “que a alta rotatividade de pessoas é indício da hospedagem, o que não é permitido pela convenção do condomínio”.

De fato, trata-se de nova modalidade de “hospedagem”, celebrada por pessoas sem vínculo entre si, tendo por objeto imóveis residenciais e exercida sem profissionalismo por parte do proprietário. Essa situação acaba por gerar incômodo a alguns moradores, principalmente em razão da falta de segurança (dado o trânsito de um grande número de estranhos no condomínio), bem como pela interferência no sossego condominial, mormente quanto à utilização dos bens de uso comum (piscinas, salão de festas, sala de ginástica etc.).

Com base em tudo o que foi exposto, o entendimento do STJ foi no sentido de que, se houver na convenção de condomínio regra impondo destinação residencial, torna-se inviável o uso das unidades particulares para os fins de “hospedagem” de curta duração que implique o desvirtuamento daquela finalidade residencial.

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