Síntese
O STJ, ao reconhecer a validade da arbitragem como meio de solução de controvérsias mesmo durante a recuperação judicial, fixou uma restrição essencial: não é possível submeter à arbitragem matérias que impactem diretamente na igualdade de condições dos credores e na condução do plano de recuperação judicial.
Comentário
Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça proferiu decisão para anular parcialmente uma sentença arbitral que permitia a compensação de créditos e débitos recíprocos entre as partes participantes do procedimento, pois uma delas estava submetida ao procedimento de recuperação judicial.
Os Ministros julgadores entenderam que a matéria não pode ser objeto de arbitragem por se tratar de direito patrimonial indisponível, o que violaria o artigo 1º da Lei de Arbitragem (Lei 9.307/1996), o qual estabelece que este procedimento é voltado para “litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis”. Ou seja, direitos que podem ser modificados, renunciados ou transferidos livremente.
Na origem do conflito, duas empresas com créditos recíprocos foram submetidas ao procedimento arbitral, oportunidade na qual uma delas solicitou ao juízo arbitral a aplicação da compensação convencionada no contrato (voluntária) como forma de pagamento do seu débito, sob argumento de aplicação automática. A partir disso é que foi proferida a decisão pelos árbitros reconhecendo a compensação, objeto da ação declaratória de nulidade parcial de sentença arbitral.
Nesta ação judicial, as decisões proferidas pelas instâncias ordinárias reconheceram a arbitrabilidade da matéria e possibilidade do juízo arbitral reconhecer o direito de compensação. Entendeu-se que a compensação, por ser convencional, havia se operado de pleno direito no momento da resilição do contrato, o que tornava a sentença arbitral meramente declaratória com eficácia retroativa.
A discussão foi levada ao Superior Tribunal de Justiça pelo argumento de que o juízo arbitral havia extrapolado os limites da jurisdição arbitral, uma vez que decidiu sobre compensação de créditos concursais, além de ter desrespeitado o concurso de credores e plano de recuperação judicial.
Por ocasião do julgamento, o Min. Ricardo Cueva, Relator do recurso, esclareceu que a mera submissão da empresa ao procedimento de recuperação judicial não impede a instauração de procedimento arbitral, tampouco possui o condão de suspendê-lo (Art. 6º, §9º da Lei 11.101/2005). Contudo, isso não autoriza que o juízo arbitral delibere sobre temas afetos ao procedimento concursal, sobretudo recursos e pagamentos, o que deve ficar restrito ao Juízo da Recuperação.
Segundo o Ministro, “a forma de adimplemento desta obrigação e a consequente possibilidade de compensação com crédito de titularidade da recuperanda é de competência do juízo da recuperação judicial”, pois a lógica do procedimento está centrada na organização da crise da empresa, “por meio de regras que garantam o tratamento conjunto das questões que envolvam a disposição de bens, direitos e obrigações”.
Entendeu-se, neste contexto, a falta do requisito da arbitrabilidade objetiva (direito controverso deve ser disponível), pela impossibilidade de adimplemento da obrigação pela compensação. A partir do deferimento do processamento de recuperação judicial de uma das partes envolvidas na discussão, as questões relacionadas ao pagamento de créditos acabam se submetendo às regras contidas na Lei 11.101/2005 (Lei de Falências e Recuperação Judicial), as quais visam garantir tratamento concentrado dos assuntos da crise da empresa e direito dos credores sujeitos ao plano da recuperação.
Ainda que a jurisdição arbitral seja competente, por força de cláusula compromissória válida, para verificar a existência e quantificar determinado crédito, as repercussões desse crédito no âmbito do processo de insolvência devem ser examinadas exclusivamente pelo juízo estatal. Isso ocorre porque a função desse juízo – diversa daquela exercida pela arbitragem – é assegurar a legalidade da recuperação ou da falência, bem como resguardar a igualdade de tratamento entre credores.
Basicamente, conforme decisão do STJ, a análise sobre a possibilidade de compensação deverá considerar o momento em que os requisitos estiverem presentes (liquidez, vencimento e fungibilidade). Caso ocorra antes do pedido de recuperação judicial, a compensação deve se operar de forma automática (art. 368 do Código Civil), mas, se ocorrer posteriormente, a obrigação não poderá ser adimplida pela compensação.
A limitação conferida na decisão é importante: os tribunais arbitrais não podem interferir na lógica do procedimento da recuperação judicial (lógica também aplicada para falência), pois comprometeria a isonomia entre os credores e o cumprimento do plano aprovado pelos credores interessados no sucesso do procedimento. A competência do Juízo da Recuperação deve ser exclusiva para decisões sobre os direitos patrimoniais da empresa submetida ao procedimento.
A decisão do STJ consolida o entendimento de que a arbitragem não é incompatível com a recuperação judicial, mas encontra limites quando tratar de matérias que afetem o interesse coletivo dos credores, garantindo que decisões arbitrais não comprometam a viabilidade dos procedimentos de insolvência.