Autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a desconsideração de sua personalidade

Atualmente há uma prevalência da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, conforme os limites impostos pela legislação vigente

Compartilhe este conteúdo

Todo empreendedor, ao verificar a viabilidade de um negócio, analisa se os bens presentes e futuros da empresa serão suficientes para adimplir com as obrigações contraídas na implementação do empreendimento. Quanto maior o risco patrimonial, menor é o incentivo para empreender, principalmente, se a potencial insolvência da empresa possa implicar comprometimento do patrimônio pessoal do empresário.

Exatamente por isso a figura da personalidade jurídica foi criada: para garantir que os bens pessoais dos sócios não respondam pelas dívidas contraídas pela empresa. É dizer, a personalidade jurídica existe, principalmente, para criar uma autonomia patrimonial da sociedade em relação aos seus sócios e gerar, por consequência, um incentivo ao empreendedorismo.

Todavia, sabe-se que hoje está cada vez mais comum o uso de mecanismos para afastar a autonomia patrimonial das sociedades e buscar a satisfação de créditos pelo atingimento do patrimônio de sócios ou de empresas do mesmo grupo. Tornaram-se tão comuns pedidos desta natureza, que hoje já se pede a desconsideração da personalidade jurídica antes mesmo da própria análise da existência da dívida.

A frequência de tais pedidos, aliada à incerteza quanto à possibilidade ou não de seu deferimento muitas vezes inibem o empresário na realização de determinados investimentos. Afinal, o empreendedor acaba tendo que incluir na sua matriz de risco a possibilidade de ver seu patrimônio pessoal (ou de outras empresas de sua titularidade) atingido por eventuais débitos e obrigações de uma sociedade que integra.

Embora os pedidos de desconsideração da personalidade jurídica tenham se tornado corriqueiros, é importante sempre lembrar que se trata de uma medida absolutamente excepcional, com requisitos rigorosos de cabimento. Especialmente nas relações entre empresas, a desconsideração da personalidade jurídica só é possível em duas hipóteses absolutamente restritas: desvio de finalidade e confusão patrimonial.

O desvio de finalidade se apresenta nos casos em que há um descumprimento do objeto social da empresa, prática de atos ilícios ou, ainda, nos casos em que a atividade é desenvolvida com o favorecimento patrimonial dos sócios em detrimento da empresa. A confusão patrimonial, por sua vez, é percebida quando os bens da pessoa jurídica são desviados ou utilizados em benefício exclusivo dos sócios e/ou demais empresas de um mesmo grupo.

Embora o entendimento dos Tribunais tenha elastecido essas hipóteses, aplicando a desconsideração em casos nos quais, em tese, não estariam presentes os requisitos acima, percebe-se um movimento mais restritivo novamente. Nesse sentido, por exemplo, já está bem consolidado que a mera frustração da execução ou insolvência da empresa devedora não se apresenta como justificativa suficiente para a mitigação da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas.

Em outros casos, a questão não é tão pacífica. Pode-se mencionar, por exemplo, a dissolução irregular da sociedade e a existência de um grupo econômico.

No âmbito do Superior Tribunal de Justiça (STJ) – instância final para discussão de tal matéria – predomina o entendimento de que é imprescindível a comprovação do abuso, demonstrado pela existência de dolo das pessoas naturais, em especial com o fim de lesar credores e terceiros. Todavia, ainda são comuns decisões de primeira e segunda (com menos frequência) instâncias concedendo a desconsideração da personalidade jurídica, tão somente pelo fato de a sociedade estar irregularmente dissolvida ou pela simples existência de outras empresas no mesmo grupo.

Lembra-se, entretanto, que há certas diferenças quando se está diante de uma relação de consumo. Com a incidência do Código de Defesa do Consumidor, há um alargamento das hipóteses nas quais o pedido tem cabimento. Assim, por exemplo, é possível a desconsideração de personalidade jurídica em casos de falência, insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocados por má administração ou, ainda, quando a personalidade jurídica se mostra um obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados a consumidores (art. 28, caput e §5º, do CDC).

De toda forma, com o fortalecimento do entendimento restritivo no STJ, a tendência é que a desconsideração da personalidade jurídica em relações empresariais se torne cada vez mais rara. Este movimento, sem dúvidas, gera maior segurança para as sociedades e seus sócios quando da celebração de negócios e realização de investimentos, garantindo que a desconsideração da personalidade jurídica continue sendo uma hipótese excepcional.

Gostou do conteúdo?

Cadastre-se no mailing a seguir e receba novos artigos e vídeos sobre o tema

Quero fazer parte do mailing exclusivo

Prometemos preservar seus dados pessoais e não enviar spam
Recomendamos a leitura da nossa Política de Privacidade.