Bens da EIRELI e dívidas do empresário: o patrimônio está em risco?

STJ entendeu pela impossibilidade de penhora de bens da EIRELI sem prévia defesa da pessoa jurídica.

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Síntese

Com o julgamento do Recurso Especial 1.874.256/SP, o STJ concluiu que a mera insuficiência patrimonial da pessoa natural para a satisfação de direito do credor não pode levar ao redirecionamento da execução contra o patrimônio da EIRELI. Nesse sentido, a Corte afirma ser imprescindível a existência de confusão patrimonial ou desvio de finalidade a fim de comprovar o abuso da personalidade jurídica, bem como a observância a procedimentos processuais específicos para que o patrimônio da empresa possa ser atingido.

Comentário

Criada pela Lei n.º 12.411/2011, a Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI surgiu no Brasil com a finalidade de incentivar a criação de pequenas e médias empresas, diminuindo o nível de informalidade e visando a acabar com as famosas “sociedades fictícias” (aquelas em que há um sócio com 99% das cotas e outro sócio com somente 1%). A norma possuía como objetivo a criação de uma figura intermediária entre o empresário individual e a sociedade limitada, agrupando as melhores características dos dois modelos.  

A diferenciação da EIRELI está na exigência de um capital social específico, ou seja, é a legislação que determina o valor inicial mínimo a ser integralizado para que seja possível iniciar o negócio. Nessa categoria empresarial, o proprietário precisa integralizar (investir efetivamente) um capital social igual ou superior a 100 vezes o salário mínimo vigente na época da abertura, exclusivo para a finalidade (Art. 980-A do Código Civil).

Nesse sentido, observa-se que o patrimônio da EIRELI não se confunde com o da pessoa natural que a constituiu. Se a empresa contrair dívidas ou mesmo vier a falir, somente o valor integralizado como capital social será utilizado para honrá-las, não sendo os bens pessoais em nome do sócio considerados para quitação. O inverso também é verdade, de modo que a EIRELI não responde por dívidas contraídas por seu proprietário. A exceção fica para hipóteses nas quais há evidências de que se está utilizando da pessoa jurídica para auferir vantagens em não realizar os pagamentos das suas dívidas pessoais.

Por esse ângulo, apesar de as empresas serem importantes para a circulação de riquezas, não devem ser utilizadas para fraudar e gerar prejuízos a terceiros. Nesse caso, a pessoa jurídica poderá ter a sua característica de separação patrimonial desconsiderada por meio do instituto da desconsideração da personalidade jurídica, que possibilitará, assim, a responsabilização da empresa pelas dívidas dos sócios e vice-versa.

Importante observar que antes da alteração no procedimento, realizada pelo Código de Processo Civil de 2015, não havia regulamentação própria para a declaração (ou decretação) da desconsideração da personalidade jurídica, de forma que o procedimento ocorria a critério do juiz da causa, sem um rito processual previamente estabelecido, podendo ou não a parte contrária ser intimada a se manifestar. O Superior Tribunal de Justiça – STJ, por vezes, era provocado por meio de recursos a reformar decisões que deixavam de observar os princípios básicos para o devido processo legal (contraditório e ampla defesa). No RMS 12.872/SP, por exemplo, firmou-se entendimento de que essa não é apenas uma garantia retórica, mas a atuação de um estado democrático, havendo a necessidade de manifestação da parte afetada antes que lhe fossem subtraídos seus bens ou direitos.

Com o novo diploma legal, o procedimento tornou-se um pouco mais complexo, sendo necessária a instauração do incidente processual garantindo o contraditório e a ampla defesa. Além disso, o procedimento adotado para a desconsideração da personalidade jurídica também poderá ser realizado de maneira inversa, conforme consagra o art. 133 e seguintes do Código de Processo Civil – CPC, objetivando o afastamento da autonomia patrimonial da empresa com o fito desta responder pelas obrigações adquiridas pelo empresário. Todavia, para ambos os casos é necessária comprovação do abuso patrimonial.

O STJ já havia se posicionado, em maio de 2018, sobre a imprescindibilidade da demonstração específica da prática objetiva de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial, seja com relação à empresa, seja com relação ao sócio, para que a personalidade jurídica da atividade empresarial fosse desconsiderada. No REsp. 1.729.554, firmou-se o entendimento de que, apesar da nova regra procedimental, os pressupostos da desconsideração são estabelecidos por normas de direito material, não bastando a simples alegação de inexistência de bens para a instauração do procedimento.

Agora, no STJ (REsp 1.874.256/SP), reforçou-se tal entendimento. Apesar de a alegação do credor de ser a firma individual uma “ficção jurídica”, confundindo-se o seu patrimônio para o cumprimento das obrigações com o da pessoa natural, a Corte segue exigindo a existência de um abuso, por parte do devedor, de esvaziar intencionalmente o seu patrimônio para alocá-lo em propriedade distinta, de modo a ocultar bem que deveria servir para a quitação da dívida.

Sem nenhuma dúvida, o relevante posicionamento do STJ mostra um respeito acerca da separação patrimonial da pessoa jurídica e da pessoa natural. Ausentes os requisitos consistentes no desvio de finalidade ou confusão patrimonial por meio do abuso do direito ou fraude, é temerário admitir a intervenção no patrimônio da atividade empresária ou do sócio simplesmente para que seja possível a satisfação de qualquer obrigação. Além disso, mesmo havendo tal prova, para que os bens da EIRELI possam ser afetados, é importante que se observe o regramento processual específico, oportunizando a parte que será afetada a apresentação de defesa e a produção de provas que entender serem pertinentes.

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