Financiamento de litígios e fraude à execução: onde está o limite?

Financiamento de ações judiciais: decisão judicial reacende debate sobre os limites legais do financiamento de litígios no Brasil.
Guilherme-Guerra

Guilherme Guerra

Coordenador

O financiamento de litígios – prática consolidada em mercados como Estados Unidos e Reino Unido – tem ganhado espaço no Brasil. O modelo, que permite a antecipação de recursos por terceiros em disputas judiciais em troca de participação no êxito, já conta com estruturas sofisticadas envolvendo fundos de investimento e players especializados. Trata-se de um instrumento contratual legítimo, com fundamento jurídico claro, que viabiliza o acesso à justiça em disputas complexas, arbitragens e ações de elevado custo.

No entanto, o recente avanço desse mercado no Brasil traz um alerta importante. Uma decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reacendeu o debate sobre os limites jurídicos dessas estruturas. No caso, a cessão parcial de crédito litigioso, realizada para viabilizar o financiamento da demanda, foi interpretada como fraude à execução. Para o colegiado, o repasse a terceiros teria prejudicado a efetividade da execução movida por credores da empresa originária do crédito.

O entendimento, embora pontual, traz implicações relevantes. Na prática, a decisão considerou fraude uma operação que, em muitos casos, torna viável a própria tramitação do processo e a eventual recuperação de valores. Sem o financiamento, a ação não teria condições de prosseguir – e o crédito em disputa permaneceria como expectativa remota, sem liquidez. O financiador, por sua vez, não apenas assume risco elevado como aporta capital de forma subordinada, sendo remunerado apenas em caso de sucesso.

Equiparar essa dinâmica a uma conduta fraudulenta pode gerar efeitos contraproducentes. Ao tratar como suspeitas estruturas que transformam potenciais direitos em ativos realizáveis, corre-se o risco de inibir a atuação de financiadores institucionais e comprometer o amadurecimento de um mercado que, em diversas jurisdições, contribui ativamente para a efetividade do sistema de justiça.

O Brasil ainda caminha para consolidar uma regulação clara sobre o tema, mas a demanda existe – e cresce. Litígios complexos, em especial os que envolvem empresas em dificuldades, arbitragens empresariais ou pleitos contra o poder público, frequentemente exigem estruturação financeira para avançar. É nesse contexto que o papel dos gestores e administradores de fundos se torna estratégico.

Mais do que discutir se há ou não risco de fraude à execução em cada caso, é preciso construir bases jurídicas sólidas, com cláusulas bem redigidas, transparência contratual e governança adequada. A estruturação dessas operações exige análise cuidadosa de riscos fiduciários, documentação robusta e delimitação precisa das garantias e dos fluxos de retorno.

O mercado de financiamento de litígios deve continuar sua expansão no Brasil. Mas, para que isso ocorra com segurança jurídica e credibilidade institucional, será essencial o engajamento de profissionais capazes de atuar na interseção entre contencioso estratégico e estruturação financeira. Gestores atentos a esse movimento podem se posicionar com vantagem, capturando oportunidades em um segmento que tende a se sofisticar – e que demandará, cada vez mais, técnica, prudência e visão jurídica estratégica.

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