Casos recentes, sobretudo envolvendo os desastres ambientais de Mariana e Brumadinho, têm reascendido a discussão sobre o financiamento de litígios.
Financiadores têm se interessado cada vez mais por litígios ambientais, e o foco tem sido o Brasil. Fundos de investimentos, associados a escritórios internacionais, atuam em processos gigantescos contra Vale, BHP e Braskem, gerando discussões variadas.
Mas, afinal, o que significa financiamento de litígios?
Essa prática consiste no auxílio financeiro prestado por um terceiro, em favor de uma das partes no processo judicial ou arbitral, para suprir os custos inerentes ao procedimento. Em contrapartida, o financiador recebe parcela do proveito econômico em caso de um desfecho favorável.
Se a parte financiada é derrotada, o financiador perde o investimento; se a parte financiada vence, partilha o resultado com o financiador.
Esse mecanismo não encontra regulamentação específica no Brasil, o que ainda permite uma maior liberdade em sua utilização, geralmente orientada por padrões internacionais.
No ambiente da arbitragem, o tema é conhecido pelas câmaras arbitrais internacionais e, mais recentemente, pelas nacionais, que criaram regulamentos específicos para disciplinar deveres de revelação e eventual conflito de interesses entre financiador e árbitros, assegurando um procedimento imparcial.
Ponto relevante é que o financiamento de litígios não interessa apenas a partes com poucos recursos financeiros, mas também a grandes empresas, que, por exemplo, corram o risco de comprometer seu planejamento financeiro, caso tenham que arcar com os custos do processo.
Portanto, o financiamento pode representar uma ferramenta de facilitação de acesso à justiça, para aqueles sujeitos em situação de vulnerabilidade (e que, portanto, não teriam condição de sustentar o litígio), mas serve ainda quando a parte financiada, embora tenha recursos, quer gerir os riscos econômicos do litígio e compartilhá-los com o terceiro financiador.
Sob o viés da parte financiada, as vantagens são variadas:
- Soluciona a dificuldade daquele que não dispõe dos recursos para suportar um custoso procedimento, seja judicial ou arbitral;
- Funciona como técnica de gestão de risco financeiro: a parte, disponha ou não de recursos, pode pretender repartir o risco econômico da disputa com o terceiro financiador;
- Serve como validação da chance de sucesso da demanda: a parte tem ciência de que o financiador fará um escrutínio do caso e avaliará os prognósticos de sucesso antes de aceitar o financiamento.
Já sob o viés do financiador, a perspectiva das vantagens é muito mais pragmática: avalia-se a matriz de risco do litígio e o prognóstico de sucesso.
Logicamente, o financiamento de litígios não é isento de críticas. Um dos temas mais polêmicos diz respeito à perda de autonomia da parte na condução da causa e o eventual conflito de interesses com o financiador.
Em certos casos, o árbitro pode ter vínculo direto ou indireto com o financiador, criando um conflito de interesses que afeta a sua imparcialidade. Para mitigar isso, regulamentos de câmaras arbitrais exigem a revelação de financiamento de terceiros para assegurar a imparcialidade do tribunal arbitral.
Ademais, de acordo com diretrizes internacionais, os financiadores não devem tomar o controle da condução da causa ou restringir direitos da parte financiada. A prática, porém, revela que a parte perde algo de sua autonomia, visto que muitas vezes o financiador é quem fornece os recursos financeiros, inclusive para a contratação de advogados.
Para evitar conflitos, é essencial que o contrato de financiamento regule os papéis de cada um, num arranjo contratual que evidencie os interesses convergentes e crie soluções para as hipóteses de dissenso.
Alguns críticos argumentam que o financiamento incentiva a judicialização excessiva, aumentando o volume de litígios, incluindo disputas que poderiam ser resolvidas consensualmente.
Em resposta a esses desafios, diversas jurisdições estão estabelecendo regulamentações específicas, objetivando aumentar a transparência e criando padrões éticos para o financiamento de litígios. A exigência de divulgação de financiadores em arbitragens e processos judiciais, bem como restrições à influência dos financiadores sobre decisões estratégicas do caso, são algumas das práticas mais corriqueiras adotadas para mitigar os conflitos e excessos. Em linhas gerais, numa ponderação de prós e contras, o financiamento de litígios é visto com bons olhos, sobretudo por servir como uma relevante ferramenta de facilitação de acesso à justiça e de gestão e compartilhamento dos riscos da litigiosidade.