Blindagem das Poison Pill

Sobre a legalidade das cláusulas acessórias que visam à proteção das ‘poison pills’ nas companhias brasileiras

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As companhias cujas ações estão em livre circulação no mercado estão sujeitas a uma dinâmica especial, notoriamente no que diz respeito à possível fragilidade à alteração de controle. Como não há um controle contratual sobre as modificações no quadro societário, a exemplo do que ocorre com as sociedades limitadas, há (relativa) dificuldade na obtenção de um demonstrativo estável de participação societária, e isto permite o desenvolvimento de estratégias de tomada hostil de controle (hostile takeover). Apenas contextualizando, para a doutrina, a tomada hostil se configura pela resistência da administração ou de parte dos acionistas na negociação de uma aquisição amigável.

Como instrumento de defesa, os acionistas podem adotar mecanismos para tornar mais onerosa a aquisição de um percentual de participação societária que possa implicar a obtenção do controle político sobre a sociedade. Na prática, o Estatuto Social pode estabelecer que atingido um percentual específico de propriedade de ações, o acionista (ou grupo) deve estender as mesmas condições de compra para todas as ações da sociedade. Em outras palavras, força-se o comprador a adquirir mais ações que o necessário para garantir o controle sobre a sociedade, tornando a aquisição mais cara.

Recebe o nome de poison pill, ou pílula do veneno, esta disposição estatutária que busca dificultar as estratégias de tomada hostil de controle. Ainda mais, de maneira complementar, é comum verificar cláusulas acessórias que buscam proteger a própria existência da pílula. Uma espécie de disposição deste tipo é a previsão de que a alteração do Estatuto Social para exclusão da poison pill obrigue os acionistas que votarem a favor a promover a Oferta Pública de Aquisição, como se efetivamente estivesse ocorrendo uma tentativa de tomada de controle. Esta é uma forma de blindar não apenas o controle societário, que é alvo de proteção da pílula, como, ainda, (hiperbolicamente) proteger o próprio mecanismo de proteção.

Contudo, entende-se que tais disposições são ilegais. A sagração de tal mecanismo de proteção à altura de cláusulas pétreas, mediante o uso de disposições acessórias como a referida, fere disposições específicas da Lei das SA que são direcionadas a proteger os direitos dos acionistas, especialmente os minoritários. As cláusulas de blindagem das poison pills criam um ônus desproporcional na negociação de ações e oferecem uma proteção excessiva ao grupo controlador das companhias. Ainda, a perenidade das poison pills fere o princípio da soberania das decisões da Assembleia Geral, retirando-lhe a autoridade máxima nas deliberações sociais.

Tal ilegalidade funda-se no enfrentamento ao disposto nos Artigos 115, 121, 122, I e 129 da Lei nº 6.404/76. Ainda mais, a CVM possui parecer técnico que se orienta justamente neste sentido, não opondo aos acionistas que descumprirem tais previsões acessórias nenhuma penalidade administrativa. Ou seja, é possível que, se compelidos extrajudicialmente, os acionistas que votarem a favor da exclusão da cláusula possam ser compelidos a promover a respectiva OPA, nos termos determinados. Entretanto, é necessário verificar que, caso haja o descumprimento, nenhum poder sancionador é atraído aos acionistas que descumpram tais disposições. É o mesmo que dizer que estas previsões estatutárias que visam à perpetuação indefinida da pílula são cláusulas meramente indicativas, são ordens sem poder coativo. Entretanto, a presença delas no Estatuto também não chega a ser encarada como uma violação, a ponto de ser obrigatória a supressão de tais disposições.

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