Síntese
A recente declaração da caducidade da concessão da Rodovia do Aço (BR-393/RJ), administrada pela K-Infra desde 2018, reacende a discussão sobre a importância da estabilidade e previsibilidade nas relações contratuais entre o setor público e privado no Brasil. O governo federal decidiu pela retomada do ativo, que agora será administrado temporariamente pelo DNIT. A medida busca proteger o interesse público e a segurança viária, ainda que lance dúvidas sobre o impacto nas concessões rodoviárias.
Comentário
A segurança jurídica é condição essencial para o sucesso dos projetos de concessão no setor rodoviário. Afinal, estradas são ativos complexos, que exigem investimentos significativos, tempo para maturação econômica e, sobretudo, clareza nas regras contratuais. Porém, quando a solidez dos compromissos é comprometida, como ocorreu recentemente com a BR-393, também conhecida como Rodovia do Aço, surge a dúvida se o arcabouço contratual é, de fato, inoxidável.
Em junho de 2025, o Governo Federal decretou a caducidade do contrato de concessão da Rodovia do Aço, operada pela concessionária K-Infra. O fundamento está em reiterados descumprimentos contratuais identificados pela Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), como falhas estruturais graves, atrasos em obras essenciais e manutenção deficiente. A decisão lança luz sobre o equilíbrio entre proteção do interesse público e o respeito ao devido processo administrativo e judicial.
A medida, prevista no art. 38 da Lei nº 8.987/95, permite que o poder concedente encerre antecipadamente contratos que já não atendem às necessidades públicas contratadas, desde que asseguradas ao concessionário garantias de contraditório e ampla defesa. Contudo, a concessionária afirma ter enfrentado graves restrições procedimentais e técnicas durante o processo, apontando, inclusive, o suposto uso excessivo do martelo regulatório pelo poder público. De um lado, o governo federal alega ineficiência e descumprimento contratual crônico; do outro, a empresa questionou a proporcionalidade da decisão e prometeu recorrer ao STF. Aliás, no início de julho de 2025, o ministro Gilmar Mendes concedeu medida liminar determinando a retomada da concessão pela K-Infra.
Além disso, o processo de caducidade revela outro ponto delicado: a extensão da atuação do Poder Judiciário em matérias eminentemente técnicas. Em decisão recente, a 6ª Turma do TRF-1 suspendeu, provisoriamente, os efeitos administrativos da portaria ministerial que negava a readaptação do contrato da K-Infra. A justificativa do tribunal foi a existência de supostos vícios processuais, apesar de as penalidades terem sido asseguradas por garantias financeiras. Porém, essa tutela judicial antecipada, sem análise definitiva do mérito, acabou esvaziando momentaneamente o rigor técnico das decisões administrativas, indo de encontro à deferência judicial em relação ao julgamento técnico de agências reguladoras.
Se por um lado a caducidade aplicada à Rodovia do Aço serve como uma demonstração firme do compromisso do poder público com o cumprimento contratual rigoroso, por outro, o caso levanta questões essenciais sobre a mensagem que o governo passa ao mercado. A postura adotada pode parecer uma medida corajosa e necessária do ponto de vista regulatório, mas, vista de outro ângulo, pode alimentar receios em potenciais investidores sobre a estabilidade contratual das concessões brasileiras.
A transição abrupta na gestão da rodovia, agora nas mãos do DNIT até nova licitação, expôs ainda mais as tensões envolvidas. A retirada rápida das equipes da concessionária deixou momentaneamente a rodovia sem serviços essenciais, gerando riscos imediatos aos usuários e ao tráfego rodoviário da região. Isso evidencia uma questão fundamental: será que, à semelhança do aço, a regulação, embora rígida, não precisaria de maior maleabilidade em procedimentos de transição operacional?
Carlos Ari Sundfeld nos lembra que o direito administrativo brasileiro tende à rigidez excessiva, adotando soluções maximalistas em detrimento de opções intermediárias, capazes de corrigir falhas sem desestimular investimentos privados (Cf. SUNDFELD, Carlos Ari. Chega de Axé no Direito Administrativo. Disponível em: https://sbdp.org.br/publication/chega-de-axe-no-direito-administrativo/. Acesso em: 07 de julho de 2025). Em outras palavras, não se trata de abrir mão do controle ou da fiscalização, mas de optar por instrumentos que consigam resolver os problemas sem necessariamente interromper drasticamente uma relação contratual.
A decisão sobre a caducidade da concessão da Rodovia do Aço é um episódio que reforça a necessidade de um novo equilíbrio no direito administrativo brasileiro: um modelo que valorize a eficiência, que priorize soluções intermediárias e que ofereça segurança jurídica real aos investidores e ao poder público. Como o próprio aço, as concessões devem ser fortes, mas suficientemente maleáveis para absorver tensões sem romper-se ao menor sinal de dificuldade. É exatamente disso que o setor de infraestrutura brasileiro necessita: um direito administrativo que promova segurança e estabilidade, sem se tornar rígido ao ponto de comprometer os próprios investimentos que pretende atrair. Afinal, aço rígido demais também quebra; e concessões, quando se rompem facilmente, não beneficiam nem o setor privado, nem o público, muito menos a população usuária das rodovias.