Síntese
Em recente decisão, o TJPR reforçou a validade das cláusulas de SLA – Service Level Agreement ou Acordo de Nível de Serviços, reforçando que, em contratos de tecnologia, a precisão na redação é fundamental para assegurar a qualidade dos serviços e evitar desentendimentos comerciais. Mais do que um detalhe técnico, o SLA tem se mostrado essencial para prevenir litígios, proteger os interesses do empresário e garantir segurança na contratação de serviços estratégicos de tecnologia.
Comentário
É fato: empresas de todos os setores estão cada vez mais dependentes de soluções tecnológicas para operar, vender, atender clientes e tomar decisões. Por isso, os contratos firmados com fornecedores de tecnologia tornaram-se documentos estratégicos — e não meramente operacionais –, tendo as cláusulas de SLA (Service Level Agreement – Acordo de Nível de Serviço) como ponto central na proteção dos interesses da empresa, funcionando como garantia contratual de desempenho mínimo e qualidade do serviço contratado.
O SLA é, na prática, o capítulo do contrato que transforma promessas em compromissos mensuráveis: estabelece metas como disponibilidade mínima de sistemas, tempo de resposta do suporte, periodicidade de backups, tolerância a falhas e até critérios para rescisão do contrato. Empresas que contratam serviços de tecnologia — como cloud computing, sistemas de gestão (ERP), softwares sob demanda ou suporte técnico — precisam que esses compromissos estejam claros, documentados e sejam plenamente executáveis.
Esse ponto é especialmente sensível quando falhas técnicas afetam a continuidade da operação, o relacionamento com o cliente final ou o cumprimento de obrigações legais, dando origem a disputas judiciais.
Nesse contexto, o Tribunal de Justiça do Paraná, no julgamento da Apelação Cível n.º 0011629-86.2019.8.16.0194, que teve o desfecho em março de 2025, reconheceu a validade da cláusula de SLA em caso envolvendo um contrato de serviços gerenciados em nuvem firmado entre a IBM Brasil e empresa do setor de recursos humanos. No processo, a contratante alegava que falhas reiteradas da IBM justificavam a rescisão contratual, apontando prejuízos operacionais e risco aos dados corporativos. A defesa da fornecedora de tecnologia, por sua vez, sustentou que cumprira os padrões mínimos estabelecidos no SLA e que eventuais intercorrências ocorreram dentro do limite contratual tolerado.
O TJPR deu razão à IBM, com base em três fundamentos principais:
1. Os níveis de falhas alegados não atingiram os parâmetros objetivos definidos no contrato para justificar a rescisão por inadimplemento;
2. A empresa contratante também descumpriu deveres contratuais relevantes, como o pagamento de licenças de software essenciais à prestação do serviço;
3. Os incidentes foram solucionados dentro de prazos razoáveis, e a fornecedora atuou com a diligência técnica esperada, dentro dos parâmetros do SLA.
O julgamento demonstra como cláusulas de SLA bem estruturadas e com métricas objetivas podem ser decisivas em processos judiciais. Além disso, reforça a importância da empresa manter registros técnicos, notificações formais e relatórios de falhas sempre que identificar descumprimentos — sob pena de ver seu direito à rescisão ou compensação inviabilizado por falta de provas suficientes.
Além do caso julgado pelo TJPR, outros tribunais têm seguido o mesmo entendimento. O TJSP, por exemplo, ao julgar a Apelação Cível n.º 1044946-12.2015.8.26.0100, reconheceu, em caso envolvendo a cobrança de multa por rescisão antecipada de contrato de fornecimento de internet, que o SLA prometido pela fornecedora (99,7%) era excessivamente ambicioso frente à infraestrutura disponível. O acórdão destacou que a fornecedora assumiu risco incompatível com sua capacidade operacional, motivado pelo receio de perder o contrato, razão pela qual, identificada a incidência de falhas acima do contratualmente previsto, afastou-se a incidência da multa por rescisão contratual.
As decisões mostram como o SLA tem sido reconhecido como instrumento jurídico legítimo para regular riscos, avaliar a qualidade dos serviços prestados e balizar a fixação de indenizações por eventuais danos. No entanto, para que isso funcione, as cláusulas devem ser elaboradas com cautela, alinhando, de forma objetiva, as expectativas de ambos os contratantes. O SLA, para tanto, deve conter:
- Previsão de indicadores claros e objetivos, evitando redações genéricas;
- Definição de mecanismos de comprovação de incidentes;
- Se possível, compensações automáticas proporcionais às possíveis falhas – seja um desconto na próxima fatura ou crédito em relação ao(s) serviço(s).
No âmbito dos contratos de prestação de serviços de tecnologia, o SLA é mais do que um detalhe técnico: trata-se de um dos principais elementos de proteção do contrato, e deve ser tratado com o mesmo cuidado que se dedica à negociação de preço, prazo e escopo.
Empresas atentas à inserção dessas cláusulas e ao seu cumprimento estarão não apenas protegidas de prejuízos operacionais, mas também melhor posicionadas para solucionar questões comerciais e, se necessário, utilizá-las judicialmente para rescisão do contrato e eventuais indenizações por prejuízos decorrentes da falha do serviço.