Síntese
Em recente decisão, Terceira Turma do STJ fixou o entendimento de que, por ser um ente despersonalizado, o condomínio não é juridicamente apto a reclamar indenização por danos morais.
Comentário
Em 11.02.2020, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça – STJ julgou improcedente a ação de indenização por danos morais movida por um condomínio edilício residencial. A decisão do STJ foi contrária ao entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo – TJSP no mesmo caso, que havia julgado o pedido do condomínio procedente, determinando o pagamento de cerca de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) a título de danos morais devidos pelos condôminos.
O caso foi ajuizado em razão de uma festa realizada para cerca de duzentos convidados em um condomínio de alto padrão em Presidente Prudente – SP, a qual, segundo consta no acórdão do TJSP, contou com “som alto, nudez, entrada e saída constante de pessoas estranhas, danos ao patrimônio comum e transtornos com logística para montagem de tendas e banheiros químicos”. Além disso, um hospital próximo relatou que foi necessário sedar alguns de seus pacientes para que pudessem dormir, tamanho o barulho vindo da festa.
E, como se não bastassem os desdobramentos posteriores ao evento, havia uma ordem judicial decorrente de ação cautelar determinando que a festa não fosse realizada, sob pena de multa de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a qual foi integralmente paga.
Em voto extenso, a relatora Ministra Nancy Andrighi realizou o exame da natureza jurídica dos condomínios edilícios, expondo ambos os lados da doutrina sobre o tema, com o objetivo de responder à pergunta central à causa: afinal, um condomínio pode sofrer danos morais?
Conforme cita o acórdão, o doutrinador Flávio Tartuce sustenta que o rol de pessoas jurídicas de direito privado do artigo 44 do Código Civil, que não inclui os condomínios, é apenas exemplificativo, permitindo sua interpretação para que os condomínios sejam, também, considerados. Nesse mesmo viés, Viegas de Lima defende a necessidade de personificação jurídica dos condomínios a fim de possibilitar o seu válido relacionamento com terceiros, refutando a ideia de se configurar como “menos propriedade que outras propriedades”. Esse doutrinador argumenta, ainda, que é impossível comparar o condomínio à massa falida e ao espólio, por exemplo, que são outras duas entidades despersonalizadas. Segundo o jurista, a diferenciação se dá em decorrência da perenidade: enquanto a massa falida e o espólio seriam situações jurídicas transitórias, o condomínio teria capacidade de perdurar até mesmo por séculos, possibilitando, dessa forma, um número muito maior de relações jurídicas se comparado à sua situação como ente despersonalizado.
Por outro lado, existe forte corrente doutrinária contrária, sustentada por parte majoritária da doutrina e capitaneada por Caio Mário da Silva Pereira. De acordo com esse entendimento, o condomínio seria apenas dotado de personalidade judiciária e de plena capacidade processual, sendo permitido, dessa forma, postular em Juízo na defesa dos interesses comuns dos condôminos, representado pelo síndico. Em contraposição ao sustentado acima, o espólio, a massa falida e o condomínio seriam meras massas patrimoniais, reconhecidas para “fins de diálogo social”, com finalidade predominantemente interna.
A Ministra relatora, por sua vez, ponderou que os condôminos é que são titulares das unidades autônomas e das áreas comuns, responsáveis pelas suas respectivas despesas, e não a entidade condominial. Por outro lado, inexistem entre os condôminos os sentimentos de cooperação e confiança (affectio societatis), de forma que o vínculo jurídico resultante não seria pessoal, mas estritamente real, ou seja, vinculado à coisa em si. Em seu voto, lembrou ainda que a própria Terceira Turma, em caso anterior (REsp nº 1.486.478/PR), admitiu que uma execução contra um condomínio fosse redirecionada aos condôminos sem necessidade de desconsideração da personalidade jurídica, negando, portanto, a sua personalização.
Dessa forma, a Terceira Turma decidiu que o condomínio deve ser considerado uma massa patrimonial, impossibilitando o reconhecimento de uma honra objetiva passível de ser maculada. Em verdade, os condôminos é que seriam os legítimos detentores de reputação, individualmente, de forma que a pretensão compensatória deveria ser pleiteada por aqueles que se sentiram realmente ofendidos, não configurando uma pretensão condominial – “interesse comum”.
Por fim, é importante salientar que, apesar do recente julgado, o entendimento das Seções do Superior Tribunal de Justiça ainda é contraditório no que tange à personalização dos condomínios. As Turmas da Primeira Seção tendem a defender a personalidade jurídica dos entes condominiais para fins tributários, enquanto que entre as Turmas da Segunda Seção prevalece o entendimento da despersonalização.