A suspensão de liminar e a intervenção judicial nas concessões públicas

Saiba mais sobre o tema no conteúdo gravado e escrito pelo sócio Silvio Guidi.
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Silvio Guidi

Advogado egresso

O tema do ativismo judicial não é novo. Especialmente nesse novo século, o Judiciário assumiu posição protagonista no avanço das políticas públicas voltadas à satisfação de direitos fundamentais. Várias dessas intervenções judiciais na execução de políticas públicas, entretanto, não levam em consideração a organização estatal para suprir deficiências estruturais de décadas, bem como os múltiplos interesses coletivos que são equilibrados para o desenvolvimento dessas políticas públicas.

No cenário nacional, as concessões e parcerias público-privadas (PPPs) têm se destacado como medidas que compõem políticas públicas voltadas à satisfação de necessidades fundamentais, tais como: transportes; saneamento; saúde etc. Mas essa satisfação não é imediata, claro. Diante da limitação de recursos (sejam públicos ou privados), a estruturação de concessões e PPPs passa por escolhas alocativas, as quais terão impactos distintos em diversos setores da sociedade. Essa estruturação revela que o Estado organiza quem, em qual tempo e em quais condições terá acesso aos equipamentos e serviços públicos.

A dura realidade revela que o avanço da disponibilização desses serviços sociais é paulatino, fato que mantém parcela da população vulnerável continuamente desassistida e por longos períodos. Note-se o exemplo do saneamento básico. À luz do novo Marco Regulatório (Lei n.º 14.026/2020), até o ano de 2033, 99% da população haverá de ter acesso à água potável e 90% à coleta e tratamento de esgoto. Embora a conquista dessas metas se constituirá em relevante avanço social, isso também significa que, nos próximos dez anos, parcela significativa da população seguirá sem água e esgoto, e, mesmo depois disso, ainda haverá milhões de pessoas desabastecidas.

Diante da sensibilidade do tema, o Judiciário, quando provocado, intervém nas políticas públicas e nos próprios contratos de concessão e PPP. Ao fazê-lo, tradicionalmente com a melhor das intenções e orientado pela concretização dos direitos sociais, não raramente desorganiza toda a estruturação desenhada precisamente para a satisfação dos mesmos direitos que pretende tutelar. Isso em razão de as ações judiciais, ainda que coletivas, não apresentarem ao Judiciário a visão completa da deficiência que aquele contrato administrativo visa a suprir. Dessa forma, o resultado dessa intervenção não só não resolve de maneira imediata o problema colocado a crivo do Judiciário, como também impacta nas chances de as concessões e PPPs superarem os desafios sociais para os quais foram concebidas.

A reação comum de concessionárias privadas de serviços públicos, quando surgem novas obrigações, impostas liminarmente pelo Judiciário para cumprimento imediato, é utilizar o recurso processual do agravo de instrumento. Mas é pequena a chance de reversão da decisão. Seja pela antipatia do pedido de reversão, seja pela falta de provas (típica das fases iniciais do processo judicial), não é comum o êxito de recurso que ataca decisão judicial interlocutória.

Mas, muitas dessas concessionárias ignoram que há outro expediente judicial à sua disposição, qual seja a suspensão. Tutelas antecipadas, liminares e até sentenças podem ter seus efeitos executórios suspensos, quando a decisão judicial colocar em risco o interesse público objeto da concessão ou PPP. Ou seja, no pedido de suspensão, não se reforma a decisão judicial; somente suspende-se sua eficácia.

O instrumento da suspensão está previsto tanto na Lei n.º 8.437/92 (que trata de concessão de medidas cautelares contra o Poder Público) quanto na Lei do Mandado de Segurança n.º 12.016/2009. Embora ambas as normas disciplinem que essa alternativa está à disposição do “Poder Público” e/ou de “pessoa jurídica de direito público”, a jurisprudência do STJ e do STF consagrou a possibilidade de concessionárias de serviço público dela se valerem, toda vez que o objeto da suspensão se conectar a interesse público tutelado no âmbito do contrato.

Diferentemente dos recursos jurídicos tradicionais, a suspensão tem como fundamento questões políticas que interessam à gestão do interesse público, tal como “grave lesão à ordem, à saúde, à segurança e à economia públicas”. Na suspensão, aliás, rejeita-se a ideia de se discutir matérias jurídicas típicas dos recursos judiciais comuns. Embora comporte prova da ocorrência de tais eventos, o requerimento de suspensão não é um processo judicial em si. Não há sequer contraditório.

O pedido de suspensão é endereçado ao “presidente do tribunal ao qual couber o conhecimento do respectivo recurso”. Assim, por exemplo, se a decisão é dada em primeiro grau, na esfera estadual, a apreciação do pedido caberá ao Presidente do Tribunal de Justiça. Se proferida em segundo grau, a apreciação caberá: (i) ao STJ, se a matéria da ação originária tiver conteúdo exclusivamente infraconstitucional; (ii) ao STF, exclusivamente (e não concorrentemente ao STJ), se a matéria da ação principal for constitucional, ainda que não exclusivamente.

Da decisão monocrática do Presidente, cabe agravo regimental, a ser apreciado pelo colegiado do Tribunal (tradicionalmente o órgão especial). Ainda, se a suspensão tramitar em Tribunal de Justiça ou Tribunal Federal, do acórdão que julgar o agravo caberá novo pedido de suspensão, agora endereçado ao STJ ou STF, a depender do perfil da matéria a ser enfrentada (se constitucional ou infraconstitucional).

A análise detida da jurisprudência dos tribunais leva à conclusão de que a suspensão permite que as Cortes consigam cotejar questões macro, conectadas a políticas públicas e sua lógica de conquistas sociais em médio e longo espaço de tempo. Mostra a deferência do Judiciário a escolhas de gestores públicos, ainda que a execução dessas escolhas esteja concentrada na execução de contratos de concessão e PPP. A adoção da suspensão, nessa lógica, pode ser útil para que concessionárias resistam a decisões judiciais que não estejam orientadas a partir do consequencialismo ínsito a intervenções na execução de políticas públicas.

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