Verificadores independentes em concessões de rodovias

A atuação de verificadores independentes em concessões rodoviárias, apesar de ser cada vez mais frequente, ainda é cercada de algumas controvérsias.
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Aline Lícia Klein

Sócia da área de infraestrutura e regulatório

A atuação de verificadores ou de organismos de inspeção acreditada em contratos de concessão de serviço público, inclusive os de rodovias, é cada vez mais frequente.

Os contratos de concessão mais recentes preveem a atuação de verificadores para auxiliar na atividade de fiscalização. É o que se verifica, por exemplo, nos contratos dos Lotes 1 e 2 das concessões de rodovias do Paraná, licitados no segundo semestre de 2023. A Portaria nº 848 do Ministério dos Transportes, de 28/08/2023, previu a atuação de verificadores independentes para o acompanhamento e fiscalização do atendimento dos parâmetros e da execução das obras pelas concessionárias que aderirem à readaptação e otimização dos contratos de concessão rodoviária.

As atividades dos verificadores, em sentido amplo, consistem na avaliação da conformidade. Em termos práticos, as atividades a serem desempenhadas pelos verificadores são previstas nos contratos de concessão e usualmente consistem na certificação de projetos executivos, inspeção de obras e serviços executados pela concessionária e verificação do atendimento de indicadores de desempenho. Cabe ao verificador avaliar se as atividades desempenhadas pela concessionária atendem às especificações previstas no contrato, na legislação e nas normas técnicas aplicáveis, em apoio à atividade de fiscalização atribuída ao poder público.

Porém, são diversas as controvérsias relacionadas ao tema.

A primeira delas diz respeito à seleção, contratação e remuneração dessas entidades. Com frequência os contratos de concessão preveem que cabe à concessionária contratar o verificador. Tal contratação é feita a partir de uma lista tríplice de verificadores, que atendem aos requisitos previstos na regulamentação e no contrato, que é submetida ao poder concedente. Há casos em que o verificador é contratado por um ente público, mediante ressarcimento pela concessionária.

Ou seja, é usual atribuir-se à concessionária o custeio da atividade do verificador. Note-se que o custeio da atividade de fiscalização pela concessionária não é novidade. Mesmo nos contratos em que não há previsão de atuação de verificadores, é recorrente o estabelecimento de taxas de fiscalização, a serem recolhidas periodicamente pelas concessionárias e destinadas ao custeio de terceiros contratados para o desempenho de atividades de apoio à fiscalização atribuída ao poder público.

A origem privada dos recursos que remuneram a atividade não implica automaticamente algum comprometimento da necessária isenção e autonomia de atuação do verificador. O importante é que a contratação não estipule parcelas de remuneração variável ou de alguma forma vinculadas ao resultado, que poderiam dar ensejo a discussões acerca de eventual comprometimento da independência da atuação e da isenção em relação aos resultados da fiscalização.

Nessa linha, outra discussão diz respeito à independência e imparcialidade do verificador. A ausência de potenciais conflitos de interesses com as partes contratantes é elemento essencial para a atuação do verificador. Para afastar tal possibilidade, além dos requisitos de qualificação técnica do verificador, há exigências no sentido de vedação de recondução para a atividade em um mesmo contrato e de restrição de empresas que tenham sido contratadas pela concessionária ou pelos seus controladores em períodos mais recentes.

O importante é que, em qualquer caso, exista uma recepção controlada pelo poder público dos resultados da atuação do verificador independente. A análise e decisão do poder concedente não pode estar vinculada às entregas feitas pelo verificador. Mas, para que isso seja efetivo, é necessário que a Administração disponha dos elementos necessários para fazer a recepção controlada das informações coletadas pelo verificador, tendo acesso à base de dados utilizada e aferindo todos os critérios empregados, para que possa efetivamente atingir as suas próprias conclusões em relação aos dados objeto da análise.

Como é inerente a toda atividade de fiscalização, inclusive em relação aos seus atos preparatórios, a concessionária deve ter acesso a toda a base de dados obtida e aos critérios utilizados, para que possa apresentar as suas possíveis divergências com a devida fundamentação e exercer o contraditório.

Logo, as objeções mais frequentes à atuação dos verificadores independentes podem ser superadas com a devida previsão dos procedimentos a serem adotados e o controle da sua aplicação. Não pode ser atribuída margem de liberdade ao verificador para definir o local, momento, duração e extensão da fiscalização a ser realizada.

Por fim, há de se ter a cautela de não se aproveitar a atuação de verificadores independentes para se estender a fiscalização da execução do contrato de concessão para os mais diversos aspectos das obras e serviços.

É da essência do contrato de concessão ser caracterizado como um contrato de delegação, em que o particular fica encarregado da gestão de uma função pública, a ser exercida com certa autonomia. Implica a atribuição de maior liberdade de decisão do particular em relação à organização da forma de exercício da atividade para o cumprimento das obrigações contratuais. Nesse contexto, a fiscalização ampla dos mais diversos aspectos do exercício da atividade pode acabar afastando a autonomia reconhecida ao particular nos contratos de concessão para a organização dos meios para a gestão da atividade que lhe foi delegada.

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