Consumo mínimo nos contratos de fornecimento: o risco da oscilação da demanda pelo contratante

O pagamento da prestação de consumo mínimo não assegura ao contratante o direito de exigir do fornecedor a disponibilização do produto não utilizado.
Laura

Laura Graner Pereira

Advogada egressa

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Síntese

Nos contratos de fornecimento, o suprimento de determinado produto se dá mediante o pagamento de preço fixo, baseado no consumo mínimo do adquirente. Trata-se da chamada cláusula “take or pay”. No julgamento do REsp n.º 2048957/MG se estabeleceu que o contratante não pode exigir do fornecedor a diferença entre o volume mínimo, pelo qual pagou, e a quantia efetivamente consumida. A decisão possui repercussão prática, por delimitar os contornos das obrigações e direitos contraídos pelas partes.

Comentário

Invariavelmente, nos contratos de fornecimento de insumos básicos se estipula cláusula de consumo mínimo. Também chamada de cláusula “take or pay”, esse instituto não encontra previsão legal no ordenamento jurídico brasileiro, muito embora sua pactuação seja utilizada com frequência junto a fornecedores de energia elétrica, água e gás.

A partir da instituição dessa cláusula, o fornecedor garante a disponibilidade do insumo, ao passo que o contratante se obriga a adquirir quantidade mínima do produto ou pagar valor pré-fixado, ainda que não faça uso do que fora disponibilizado. Para a hipótese de haver consumo superior ao mínimo estabelecido, o adquirente deverá pagar a quantia efetivamente consumida, afastando o preço mínimo contratado.

Essa previsão contratual engloba expectativa de fornecimento de determinado produto em um contexto global, partindo do pressuposto de que a relação comercial se dará de modo longevo. Somente a partir dessa perspectiva é que as partes possuem condições de antever os riscos e benefícios do negócio, posto que a precificação da mercadoria é realizada em uma única oportunidade pelo fornecedor.

As obrigações decorrentes da cláusula “take or pay” fazem com que tal disposição seja amplamente utilizada em contratos de prestação continuada de produtos, pois oferece ao fornecedor segurança para investir e atender à demanda do contratante, enquanto a este é assegurado o pagamento de preço mais competitivo, a partir do estabelecimento de sua própria média de consumo.

O debate sobre as implicações da cláusula de consumo mínimo tomou contornos mais relevantes após as graves repercussões da pandemia do COVID-19. As medidas restritivas de funcionamento durante o cenário pandêmico fizeram surgir, involuntariamente, situações de impossibilidade de utilização do consumo mínimo contratado junto aos fornecedores diante da baixa demanda.

A partir daí se desenvolveu problemática com repercussão de ordem prática: é possível estabelecer consumo mínimo que garanta a preservação das condições negociais e que possibilite a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro dos contratos?

Justamente pelo fato de a cláusula “take or pay” não possuir previsão legal é que o Poder Judiciário passou a se debruçar sobre as implicações de sua estipulação nos contratos de fornecimento.

Recentemente, foi submetido a julgamento caso em que se discutiu a possibilidade de aproveitamento do insumo contratado por meio da cláusula de consumo mínimo, mas não utilizado pelo adquirente.  Em outras palavras, o contratante pretendeu ter reconhecido o direito de receber o produto após o período contratual para sua utilização, de modo a obrigar o fornecedor a colocar à sua disposição os insumos equivalentes ao valor da prestação da cláusula “take or pay”.

De relatoria da ministra Nancy Andrighi, o Recurso Especial n.º 2048957/MG firmou entendimento no sentido de que a inserção dessa cláusula faz com que o adquirente seja obrigado a pagar o valor estipulado no contrato, mesmo não consumindo a quantidade mínima de produto disponibilizada pelo fornecedor no período ajustado. Dizendo de outro modo, é vedado ao contratante exigir o aproveitamento da mercadoria não usufruída, apesar de pago seu respectivo preço.

De acordo com a fundamentação da decisão, a cláusula de volume mínimo traz consigo o seguinte raciocínio: “O comprador assume o risco da demanda e, em contrapartida, será beneficiado com um preço menos oneroso.”. Portanto, interpretação diversa e extensiva conferida à cláusula “take or pay” faz com que seu uso seja desvirtuado por completo.

Por um lado, a decisão confere segurança e estabilidade nas relações comerciais que tenham instituído a cláusula de consumo mínimo, por estabelecer preço fixo para distribuição de determinado produto, reconhecendo que o fornecedor não possui mecanismos para conter a oscilação de preços do mercado,  enquanto o adquirente tem condições de avaliar sua demanda interna, de modo a prever o consumo  mínimo contratado. Por outro viés, o entendimento engessa a relação comercial em situações imprevisíveis que demandariam a flexibilização do preço contratado. 

A partir dessa decisão, nas situações em que se faz necessária a adequação da cláusula de consumo mínimo, a revisão do contrato junto ao Poder Judiciário ou nova estipulação de preço, ainda que de modo provisório em aditivo contratual, são caminhos possíveis para ajustes de expectativas e reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos.

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