Debêntures incentivadas e de infraestrutura

O financiamento de projetos de infraestrutura depende cada vez mais da emissão de debêntures – conheça as suas principais características.

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O financiamento de projetos de infraestrutura representa um dos pilares para o desenvolvimento econômico sustentável do Brasil.

Historicamente, o país enfrenta déficit substancial de investimentos no setor, associado a desafios como a necessidade de capital de longo prazo, a complexidade dos projetos e a dependência de fontes públicas de financiamento.

Neste contexto, o mercado de capitais brasileiro tem evoluído para oferecer alternativas robustas que complementem ou substituam o financiamento tradicionalmente provido por bancos públicos, notadamente o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

Essa evolução passa pelos instrumentos de financiamento referentes às Debêntures Incentivadas, instituídas pela Lei federal nº 12.431/2011 e às mais recentes Debêntures de Infraestrutura, criadas pela Lei federal nº 14.801/2024.

Trata-se de títulos de dívida de renda fixa emitidos com o objetivo específico de financiar projetos em infraestrutura ou em produção econômica intensiva em pesquisa, desenvolvimento e inovação. Os dois tipos de debêntures são regulados pelo Decreto federal nº 11.964/2024 (“Decreto”), o qual estabeleceu critérios e condições unificados para o enquadramento e acompanhamento de projetos de investimento considerados prioritários.

Assim, ambos os instrumentos visam canalizar recursos para projetos considerados prioritários, mas operam sob regimes distintos de incentivo fiscal, moldando o mercado e as estratégias de captação das empresas.

Relevância e crescimento das Debêntures no estoque de dívida do setor de infraestrutura

Por décadas, o BNDES desempenhou papel central e dominante no financiamento de longo prazo para projetos de infraestrutura no Brasil. Sua atuação foi marcada por volumes expressivos de desembolsos, muitas vezes com taxas de juros subsidiadas (como a Taxa de Juros de Longo Prazo – TJLP), o que o tornava a fonte primária de recursos para grandes projetos. Contudo, a partir de meados da década passada, iniciou-se um processo de retração significativa desse papel do BNDES, sobretudo em função das restrições fiscais enfrentadas pelo país.

Nessa linha, a composição do estoque de dívida do setor de infraestrutura vem gradativamente cedendo espaço às Debêntures Incentivadas. O volume de emissões anuais denota tendência de crescimento, com picos notáveis nos últimos anos.

Em 2023, o volume total emitido de debêntures incentivadas foi de R$ 67,8 bilhões e em 2024, um recorde histórico, com as emissões de debêntures incentivadas atingindo R$ 120,3 bilhões. Por sua vez, as Debêntures de Infraestrutura, por serem novas, ainda não representam volume expressivo. No entanto, há expectativa de crescimento com potencial estimado para dobrar o volume total de debêntures (incentivadas e de infraestrutura) voltadas ao setor.

Benefícios fiscais das debêntures

O principal atrativo das Debêntures Incentivadas reside nos benefícios fiscais concedidos aos investidores que as adquirem:

  • Pessoas Físicas (“PF”) Residentes no Brasil: Os rendimentos (juros, prêmios etc.) provenientes dessas debêntures são isentos de Imposto de Renda (“IR”) na fonte e na declaração de ajuste anual.
  • Pessoas Jurídicas (“PJ”) Domiciliadas no Brasil: Os rendimentos auferidos por PJs são sujeitos à incidência de IR na fonte à alíquota de 15%. Esta regra aplica-se a empresas tributadas pelo lucro real, presumido ou arbitrado, bem como a entidades isentas ou optantes pelo Simples Nacional. Para empresas tributadas no lucro real, há a vantagem adicional de poder excluir esses rendimentos (já tributados exclusivamente na fonte) da apuração do lucro real. Contudo, eventuais perdas apuradas nessas operações não são dedutíveis na apuração do lucro real.
  • Investidores Não Residentes: isenção de IR e Imposto sobre Operação Financeira (IOF) para não residentes em certas condições, geralmente associadas a títulos emitidos para financiar investimentos específicos e não necessariamente projetos de infraestrutura prioritários.

Por sua vez, as Debêntures de Infraestrutura direcionam seu principal benefício fiscal para a empresa emissora, especificamente para aquelas tributadas pelo regime do lucro real. Os benefícios são:

  • Dedução Padrão de Juros: A emissora pode deduzir, para fins de apuração do lucro líquido (base para IRPJ e CSLL), o valor integral dos juros pagos ou incorridos relativos às debêntures, conforme as regras gerais de dedutibilidade de despesas financeiras.  A Instrução Normativa RFB nº 2.235/2024, que alterou a IN nº 1.700/2017, trouxe clareza sobre a aplicação deste benefício. Confirmou que o termo “juros” para fins da exclusão de 30% abrange a remuneração total do título, incluindo atualização monetária por índices de preço. Além disso, estabeleceu que o benefício da exclusão pode ser utilizado mesmo que resulte em prejuízo fiscal ou base de cálculo negativa da CSLL, sendo esses valores passíveis de compensação com lucros tributáveis futuros, seguindo as regras gerais de compensação.
  • Benefício Adicional (Exclusão de 30%): Além da dedução padrão, a Lei federal nº 14.801/2024 permite que a emissora exclua adicionalmente, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, um montante equivalente a 30% da soma dos juros das Debêntures de Infraestrutura pagos naquele exercício fiscal.

Elegibilidade de Projetos e CAPEX

Historicamente, os setores que mais utilizam esses instrumentos são Energia Elétrica, Transporte e Logística, e Saneamento. Em 2024, esses três setores responderam por aproximadamente 41,9%, 24,8% e 10,8% do volume emitido, respectivamente.

A legislação e a regulamentação das Debêntures Incentivadas e de Infraestrutura estabelecem que os recursos captados devem ser destinados a projetos prioritários, com uma limitação específica ao financiamento das despesas de capital (Capital Expenditures – “CAPEX”) desses projetos.

Em termos gerais, CAPEX se refere aos investimentos realizados por uma empresa em bens de capital, ou seja, ativos físicos de longa duração que serão utilizados na operação do negócio ou projeto por vários períodos. São gastos que visam criar benefícios econômicos futuros, como aumentar a capacidade produtiva, melhorar a eficiência ou estender a vida útil de ativos existentes.

No contexto das debêntures incentivadas e de infraestrutura, a legislação e o Decreto federal nº 11.964/2024 são explícitos ao limitar a utilização dos recursos captados com benefícios fiscais ao montante equivalente às despesas de capital do projeto de investimento aprovado. Isso significa que despesas operacionais (OPEX), como salários, aluguéis, manutenção rotineira ou custos de matéria-prima, não são elegíveis para serem financiadas por esses instrumentos.

O Decreto, ao regulamentar o enquadramento dos projetos, reforça a vinculação ao CAPEX. Seu art. 5º especifica que, para projetos na área de infraestrutura serem considerados prioritários, devem ser objeto de concessão, permissão, autorização, arrendamento ou contrato de programa (para saneamento) e envolver ações de implantação, ampliação, recuperação, adequação ou modernização. As despesas de capital financiáveis devem estar, portanto, diretamente relacionadas a essas ações que modificam ou criam a infraestrutura física ou operacional de longo prazo.

Todavia, o decreto não fornece uma lista detalhada e exaustiva dos itens que se qualificam como CAPEX. Ponto de incerteza se refere à omissão, no texto do decreto, da menção explícita às despesas de outorga como parte do projeto de investimento financiável, permissão que constava no decreto anterior (Decreto federal nº 8.874/2016). Essa omissão levantou dúvidas sobre a possibilidade de financiar o pagamento de outorgas com recursos de Debêntures Incentivadas ou de Infraestrutura e abriu espaço para regulamentação dos ministérios competentes (e.g. Portaria 689/2024 do Ministério dos Transportes, art. 6º, § 1º, que faz referência aos valores de outorga para fins de definição do alcance do conceito de CAPEX.).

Procedimento para Emissão: regulamentações específicas para Projetos Rodoviários

A regulamentação das debêntures para projetos de infraestrutura passou por mudanças significativas com o objetivo de simplificar procedimentos e adequar as regras às necessidades do mercado e às novas diretrizes de políticas públicas.

Uma das inovações mais relevantes trazidas pelo Decreto foi a dispensa geral da necessidade de aprovação ministerial prévia, por meio de portaria específica, para o enquadramento de um projeto como prioritário. Anteriormente, a obtenção dessa portaria era um passo obrigatório e muitas vezes moroso no processo de emissão das debêntures incentivadas.

Para os setores de transporte rodoviário (e ferroviário), a regulamentação específica dos requisitos e procedimentos para emissão de debêntures incentivadas e de infraestrutura está consolidada na Portaria nº 689/2024 (“Portaria”) do Ministério dos Transportes. Esta portaria sucedeu regulamentações anteriores e reflete as diretrizes do Decreto.

Os principais pontos da Portaria para projetos rodoviários incluem: requisitos ambientais e de sustentabilidade (ESG), abrangendo mitigação/adaptação climática e gestão de impacto social; prazos específicos para as diversas etapas do procedimento de enquadramento e fiscalização da implementação dos projetos.

Consolidação e expectativa de crescimento

As debêntures consolidaram-se como peças centrais no financiamento de projetos prioritários no Brasil, marcando uma transição significativa de um modelo no qual o BNDES era protagonista para um com maior participação do mercado de capitais.

A Lei federal nº 12.431/2011 foi bem-sucedida em atrair o investidor pessoa física, enquanto a Lei federal nº 14.801/2024, com seu benefício direcionado ao emissor, busca complementar esse quadro atraindo capital institucional e corporativo.

As perspectivas para o mercado são de crescimento contínuo, impulsionado pela necessidade de investimentos em infraestrutura e pela maturação dos instrumentos. O sucesso dependerá da capacidade do mercado de se adaptar às regras em evolução e da manutenção de um ambiente regulatório e macroeconômico estável e previsível.

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