Desafios para o aproveitamento energético de resíduos sólidos urbanos

Transformar lixo em energia demanda soluções inovadoras para explorar o potencial dos resíduos sólidos urbanos no Brasil.
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Rick Daniel Pianaro da Silva

Advogado da área de infraestrutura e regulatório

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A lei que instituiu a Política Nacional de Resíduos Sólidos – PNRS estabeleceu a data de 2 de agosto de 2024 como limite para a disposição final ambientalmente adequada de rejeitos nos municípios com menos de 50 mil habitantes. A partir desta data, nenhum lixão, em nenhuma localidade do país, poderia aceitar novos resíduos, que receberiam um tratamento adequado, seja em aterros sanitários, seja por meio de reciclagem, ou, ainda, como matéria-prima para a geração de energia.

Dados consolidados no ano de 2022, no entanto, demonstram que o país continua longe de cumprir as metas estipuladas na PNRS. Segundo o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento, do Ministério das Cidades, cerca de 1,6 mil lixões ainda estão abertos, e recebem mais de 14% de todos os resíduos sólidos urbanos. 

Com o prazo limite da PNRS esgotado, o Brasil enfrenta um desafio duplo: erradicar os lixões e, ao mesmo tempo, explorar o potencial dos resíduos sólidos para a geração de energia. Este cenário coloca em evidência a necessidade de alternativas sustentáveis para lidar com a gestão de resíduos e suprir a crescente demanda energética.

O aproveitamento energético dos resíduos sólidos surge como uma solução promissora, capaz de transformar um passivo ambiental em um ativo econômico e social. Tecnologias como a biodigestão anaeróbia, a incineração e a gaseificação permitem converter a fração orgânica dos resíduos em biogás, biometano e energia térmica, que podem ser utilizados para geração de eletricidade, como combustível veicular e calor para indústrias.

A energia proveniente da biomassa, que quebrou recordes de contribuição ao Sistema Interligado Nacional de energia elétrica em 2023, representou 4,6% de toda a demanda consumida, segundo dados do Ministério de Minas e Energia. A biomassa proveniente de resíduos sólidos urbanos, no entanto, ainda tem pequena participação na matriz energética brasileira: segundo a ANEEL, em 2021, apenas 0,1% da capacidade de geração instalada no país teve como fonte os resíduos urbanos.

A expansão da capacidade de aproveitamento de resíduos para geração de energia, no entanto, exige investimentos em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento. Estudos da Empresa de Pesquisa Energética – EPE, publicados em 2021, sugerem que a utilização preferencial de biocombustíveis provenientes de resíduos sólidos nas frotas públicas e de serviços concedidos, além de projetos que integrem geração de eletricidade, biocombustíveis e aproveitamento do calor para fins industriais, tem boa viabilidade econômica.

A intercambialidade entre o biometano e o gás natural, reforçada pela Lei n.º 14.134/2021, aliada à crescente busca das distribuidoras estaduais de gás pela descarbonização de seus portfólios de fornecimento com a aquisição de energia renovável, é outro fator relevante para a viabilização econômica de projetos de aproveitamento energético dos resíduos.

É crucial, portanto, o estabelecimento de um ambiente regulatório seguro, que incentive a participação do setor privado para a realização de investimentos no setor e estabeleça com clareza as balizas para a comercialização da energia gerada a partir dos resíduos. 

A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis – ANP, por meio da Resolução ANP n.º 886/2022, estabeleceu regras para a aprovação e controle da qualidade de biometano proveniente de aterros sanitários para fins de inserção na rede canalizada de gás natural, em um passo importante para incentivar investimentos no setor.

A superação dos desafios e o aproveitamento das oportunidades no setor de resíduos sólidos exigem uma atuação conjunta do poder público, do setor privado e da sociedade civil. A implementação de políticas públicas eficazes, a conscientização da população sobre a importância da coleta seletiva e a busca por soluções inovadoras são pilares fundamentais para uma gestão eficiente e ambientalmente adequada de resíduos sólidos, transformando os rejeitos em uma fonte de energia limpa e renovável.

Investir no aproveitamento energético dos resíduos sólidos não é apenas uma questão de combater desperdícios e tornar passivos em ativos, mas também um passo importante para a construção de um futuro mais limpo e sustentável.

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