Dispute board na ANTT próximo de ser implementado

Teremos efetivamente a rápida solução de controvérsias com os dispute boards?
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Aline Lícia Klein

Sócia da área de infraestrutura e regulatório

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Encontra-se em discussão na Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT a adoção de dispute board ou comitê de resolução de disputas nos contratos de concessões rodoviárias e ferroviárias. O tema foi inserido na Agenda Regulatória de 2023/2024 e se estima que o regulamento sobre o tema seja publicado em breve.

As discussões acerca desse instrumento são relevantes porque, diferentemente dos demais mecanismos alternativos de resolução de controvérsias, o comitê pode funcionar efetivamente para a prevenção de litígios. O dispute board pode evitar a paralisação de obras em razão de divergências e resolver com celeridade os impasses que surgirem. E esses são aspectos da maior relevância em contratos de longo prazo, tais como os de concessão, em que as diversas controvérsias que não são resolvidas de modo rápido e efetivo acabam se acumulando e, ao final, podem até mesmo inviabilizar a continuidade dos projetos concessórios.

A Nova Lei de Licitações (Lei 14.133/2021) passou a prever expressamente a adoção de dispute board em contratos administrativos. Ademais, não se pode deixar de destacar que a Lei de Concessões (Lei 8.987/1995) e a Lei de PPPs (Lei 11.079/2004) já previam a utilização de mecanismos privados de resolução de disputas, conceito que inclui o dispute board.

De todo modo, o entendimento do Tribunal de Contas da União – TCU a respeito de dispute board em contratos de concessão foi no sentido de que seria necessária a sua regulamentação. Na análise das minutas dos contratos das concessões da BR-153/414/080/TO/GO e da BR-163/230/MT/PA, o TCU determinou que, apesar de previsto nos contratos, o dispute board apenas poderia ser utilizado após a sua regulamentação pela ANTT.

Inclusive motivado por esse entendimento do TCU, o tema foi amplamente debatido no âmbito da ANTT. Em agosto de 2023, foi realizada a Audiência Pública n.º 6/2023 para discussão da minuta de resolução para incorporação da disciplina de dispute board à Resolução ANTT 5.845/2019, que trata das regras procedimentais para a autocomposição e a arbitragem no âmbito da ANTT.

Os contratos de concessões rodoviárias mais recentes da ANTT já contemplam o dispute board. Podem ser mencionados os contratos da CCR-Rio/SP, Ecovias do Araguaia, EcoRioMinas, Via Brasil 163, Litoral Pioneiro e Via Araucária. Porém, a sua efetiva aplicação aguarda a regulamentação pela Agência.

Uma preocupação relevante é que os comitês sejam utilizados efetivamente para fins de prevenção e não apenas para resolução de disputas.

A criação dos comitês é motivada por divergências, que surgem entre as concessionárias e o poder concedente, especialmente de natureza técnica, mas que usualmente também estão conjugadas com a análise de fatos e de temas jurídicos, seja o exame de cláusulas contratuais seja de normas regulamentares. Ainda que a minuta de resolução divulgada pela ANTT afaste a sua utilização nas discussões de cunho estritamente jurídico, verifica-se que assim não se caracteriza a maior parte das divergências surgidas no curso da relação contratual, que usualmente conjugam questões de natureza técnica, fática e jurídica.

Tais controvérsias, de cunho eminentemente técnico, com frequência implicam a paralisação de obras e o atraso no cumprimento de obrigações contratuais. A demora na solução desses impasses acaba incrementando os efeitos do problema verificado, aumentando o possível desequilíbrio econômico-financeiro e, em última análise, prejudicando os usuários do serviço concedido. Daí a necessidade de se privilegiar a celeridade e efetividade das soluções.

Diante do elevado volume de divergências verificadas no curso das concessões, seria importante que os comitês a serem constituídos fossem permanentes. Ou seja, constituídos no início do contrato e com vigência durante todo o prazo contratual. Como tal opção pode ser onerosa, diante da longa duração dos contratos de concessão e dos custos fixos incorridos para manutenção dos comitês, cabe considerar a sua instauração pelo menos temporária, para que se encontrem vigentes durante cada período de ciclo de investimentos da concessão, com maior concentração de obras e serviços de engenharia de alta complexidade e maior probabilidade de surgimento de controvérsias.

Assim se passa porque a constituição de comitês ad hoc, a cada divergência surgida, pode não ser eficiente em razão do tempo demandado e complexidade envolvida para cada formação de comitê, com a possibilidade de surgimento de controvérsias acerca da constituição em si, que podem atrasar o início dos trabalhos. Os diversos atos demandados para a constituição de comitês ad hoc pode acabar desestimulando a utilização desse mecanismo e se optando pela acumulação de controvérsias para posterior arbitragem. Isso torna mais complexas e com maiores repercussões as divergências surgidas.

Destaque-se que, nos contratos de concessões rodoviárias da ANTT em que já foi previsto o funcionamento de dispute board, as disposições são no sentido de que seria de adoção facultativa e instaurado ad hoc. Essa previsão está sendo mantida inclusive nos documentos dos projetos a serem licitados em breve, tal como o da BR-040/MG. Já a minuta de resolução divulgada por ocasião da Audiência Pública 6/2023 previa os diversos tipos de comitês – permanente, temporário ou ad hoc – e remetia à regulação de cada contrato a definição do tipo de comitê a ser adotado. Tendo em vista que vários contratos já preveem a utilização de comitês ad hoc, seria importante a nova norma prever a possibilidade de utilização de comitês temporários e permanentes inclusive nesses contratos, desde que mediante comum acordo entre as partes para não haver a necessidade de celebração de termos aditivos.

Portanto, para que o dispute board possa efetivamente acompanhar o contrato em tempo real e intervir em divergências de modo preventivo, é necessário que já esteja constituído quando surgirem as controvérsias.

A utilização de comitês permanentes ou, quando menos, temporários, pode ser a configuração mais adequada para que consistam em instrumento adequado para a efetiva prevenção de litígios, de modo que as divergências, inclusive as menores, sejam levadas com fluidez aos comitês e rapidamente resolvidas, sem a produção de maiores efeitos nas concessões. Isso evitaria que se reproduzissem no dispute board as controvérsias que vemos com frequência na arbitragem, seja na sua fase de instituição seja na análise de diversos pedidos cumulados, o que acaba postergando ainda mais a solução do litígio.

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