Investidor-anjo: você está seguro com o novo Marco Legal das Startups?

A nova lei consolida e reforça a proteção ao investidor-anjo, prestando-lhe maior segurança jurídica e servindo como incentivo adicional aos investimentos no ecossistema das startups.
Lucas Cordeiro - versão site 1

Lucas Domakoski Cordeiro

Advogado da área de contratos empresariais

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Com o novo Marco Legal das Startups (Lei Complementar n.º 182/2021) enfim sancionado, urge analisar as possibilidades trazidas ao cenário do empreendedorismo inovador no Brasil. O interesse em investimentos nesta modalidade de negócios é crescente e tende a acelerar ainda mais com o novo diploma legal, de forma que cabe, aqui, responder, através da comparação com a legislação anterior, uma das questões mais prementes da discussão: o investidor-anjo, figura essencial ao ecossistema das startups, está mais ou menos seguro com a nova lei?

O viés de incentivo ao ambiente do empreendedorismo do Marco Legal é claro: de acordo com o art. 1º, parágrafo único, inc. II, uma das principais características da lei é a apresentação de “medidas de fomento ao ambiente de negócios e ao aumento da oferta de capital para investimento em empreendedorismo inovador”. Os princípios que guiam a lei, dispostos em seu art. 3º, também ressaltam este caráter, reconhecendo o “empreendedorismo inovador como vetor de desenvolvimento econômico, social e ambiental”, além de destacar a promoção de um ambiente livre para os negócios e para a inovação, o que, espera-se, motivará o investimento privado em novas startups e garantirá maior liberdade e segurança jurídica aos investidores.

Este incentivo aos investidores fica claro ao se comparar os diplomas legais que versam sobre a matéria. Em primeiro lugar, o novo Marco consolida, enfim, uma definição clara e específica para a figura do investidor-anjo, delimitando-o como o “investidor que não é considerado sócio nem tem qualquer direito a gerência ou a voto na administração da empresa, não responde por qualquer obrigação da empresa e é remunerado por seus aportes”. Trata-se de definição importante, pois demarca claramente a limitação de responsabilidade do investidor-anjo como uma de suas principais características. A título de comparação, a Lei Complementar nº 155/2016, por exemplo, definia o investidor-anjo meramente como a pessoa física ou jurídica que realiza aporte de capital na microempresa ou empresa de pequeno porte.

Apesar de a definição de investidor-anjo contida no novo Marco ser inédita em termos legais, no entanto, algumas das proteções constantes no diploma refletem as disposições estabelecidas em outras normas, que já procuravam, ainda que de forma incipiente, disciplinar a atuação destes investidores e prestar-lhes certas garantias importantes, ainda que não no mesmo nível da nova lei, que incorpora já na definição do investidor-anjo a limitação antes relegada ao inciso I, § 4º da Lei Complementar nº 155/2016.

Para além da nova definição legal, que incorpora a limitação de responsabilidade do investidor-anjo, cabe, em segundo lugar, analisar também as demais proteções conferidas e aprimoradas pela lei. Novamente em comparação à LC 155/2016, o novo Marco Legal tratou de expandir o escopo de proteção: a lei mais antiga determinava somente a inaplicabilidade do art. 50 do Código Civil ao investidor-anjo, ao passo que a nova lei, em seu art. 8º, inc. II, além de ampliar o rol de dispositivos legais que não incidem sobre o investidor, também deixa clara a natureza exemplificativa deste rol. Veja-se, no quadro a seguir, a diferença:

(Antes) Lei Complementar nº 155/2016(Agora) Lei Complementar nº 182/2021 – Marco Legal das Startups
Art. 61-A: § 4º: O investidor-anjo: II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, não se aplicando a ele o art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil;Art. 8º: O investidor que realizar o aporte de capital a que se refere o art. 5º desta Lei Complementar: II - não responderá por qualquer dívida da empresa, inclusive em recuperação judicial, e a ele não se estenderá o disposto no art. 50 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), no art. 855-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, nos arts. 124, 134 e 135 da Lei nº 5.172, de 25 de outubro de 1966 (Código Tributário Nacional), e em outras disposições atinentes à desconsideração da personalidade jurídica existentes na legislação vigente.

 

A redação do art. 8º do novo Marco Legal permite vislumbrar a intenção do legislador de evitar que recaiam, sobre os investidores-anjo, não apenas as possibilidades mais comuns nos casos de desconsideração da personalidade jurídica, como a execução de dívidas fiscais (arts. 124, 134 e 135 do CTN) ou trabalhistas (art. 855-A da CLT), mas também a própria hipótese de desconsideração por abuso da personalidade jurídica (art. 50, CC), visto não ser o investidor-anjo considerado sócio da empresa. Cabe destacar, neste sentido, que a nova lei estabelece de forma cristalina a hipótese na qual o investidor será considerado quotista, acionista ou sócio, ao determinar, em seu art. 5º, § 2º, que “a pessoa física ou jurídica somente será considerada quotista, acionista ou sócia da startup após a conversão do instrumento do aporte em efetiva e formal participação societária.”.

Tratam-se de verdadeiros reforços à blindagem do investidor-anjo que lhe garantem, assim, maior segurança jurídica e uma considerável redução dos riscos jurídicos do negócio. Estes reforços terminam por incentivar, também, novos investimentos no cenário do empreendedorismo inovador, que se vê mais protegido em meio ao, por vezes, caótico panorama jurídico e financeiro nacional. Importante ressaltar, em análise retrospectiva, que estas proteções legais vêm na esteira dos paradigmas inaugurados pela Lei de Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019), que já havia reforçado a autonomia patrimonial do investidor, seja ou não sócio, diante das obrigações da sociedade que recebe os investimentos.

Porém, a despeito destes importantes avanços, a versão sancionada do novo Marco Legal também é passível de críticas, não tanto pelo que contém, mas sobretudo pelo que deixou de contemplar, o que constitui uma evidente perda de oportunidade. Um dos vetos mais polêmicos da Presidência da República foi o do art. 7º do projeto de lei que tratava da possibilidade de compensação tributária do investidor pelas perdas verificadas nos investimentos em startups. O dispositivo permitia, ao investidor pessoa física e através de contrato de mútuo conversível, compensar, através do lucro percebido na venda de ações obtidas posteriormente, os prejuízos acumulados durante a etapa de investimentos, fazendo com que a tributação sobre os ganhos incidisse, ao cabo, sobre o lucro líquido do investidor.

O veto se deveu, segundo a justificativa, ao fato de que o dispositivo acarretaria renúncia de receitas sem a necessária apresentação da estimativa do impacto orçamentário e financeiro, ao erário, das medidas compensatórias, o que seria inconstitucional. Com o veto, se reduz, em certa medida, a atratividade do investimento, visto que o dispositivo constituía verdadeiro incentivo à aplicação de recursos em novas ideias e tecnologias, que, por si, têm natureza financeiramente arriscada. A questão ainda é passível de discussão, com diversas entidades ligadas ao universo das startups e do empreendedorismo pressionando o Congresso Nacional para a derrubada do veto presidencial, cujo destino ainda é incerto.

Por fim, apesar das ressalvas, o novo Marco Legal das Startups constitui avanço, ainda que relativamente tímido, no campo do empreendedorismo inovador no Brasil. Cabe, assim, responder ao questionamento que perpassa o novo diploma legal e este próprio texto: está o investidor-anjo mais ou menos seguro com a sanção da lei? Em geral, mais seguro. A intenção do legislador foi criar um ambiente mais favorável ao florescimento dos negócios disruptivos no Brasil, e aí se incluem, também, os investidores-anjo, que agora contam com maior segurança jurídica para apostar no crescimento de novas e promissoras empresas. No que tange à atratividade dos investimentos, no entanto, o patamar não foi alterado drasticamente ao cabo, os unicórnios continuarão sendo unicórnios –, ou seja, raros e espaçados, dependentes de boas ideias, trabalho e faro para investimentos, ainda que, agora, tenham ambiente mais favorável para o seu surgimento e desenvolvimento.

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