Investigação defensiva empresarial

Um bom acordo de não persecução penal pode evitar um processo e até mesmo uma condenação. Quem está preparado para negociar?
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

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A realidade social sofreu verdadeira revolução nas últimas décadas. Com o incremento do risco, decorrente da evolução das condutas ilícitas, exige-se proporcional resposta do poder estatal, principalmente por meio do Direito Penal, que também permite a punição de pessoas jurídicas. Clama-se pela responsabilização e punição imediata. A celeridade processual, neste ambiente, foi mais demandada do que a resposta certa e eficaz ____ com menor risco de injustiça, mas promovida por meio de um processo justo, que deve transcorrer durante tempo necessário.

Com base em outros países, o Brasil adotou a expansão da Justiça Negocial. Não se trata de uma novidade no processo penal, afinal a Lei dos Juizados Especiais já estabelecia a possibilidade de acordo em julgamentos de infrações penais de menor potencial ofensivo. Agora, porém, se admite a negociação da maior parte dos delitos previstos no Código Penal, por meio do acordo de não persecução penal, cujo requisito objetivo principal é que a pena mínima prevista não seja superior a quatro anos.

Entretanto, os demais institutos negociais, como a suspensão condicional do processo e a transação, não exigem a confissão em relação ao fato apurado, como faz o acordo de não persecução penal.  Em decorrência desta característica, considerando que o acordo é formalizado ainda na etapa investigatória, o inquérito policial passa a ter maior relevância. Junto disso, como era de se esperar, também surgem problemas.

O primeiro deles diz respeito à confissão. Para alguns, mesmo inocentes, poderá ser interessante negociar o acordo, mesmo que lhe exija confessar. Basta confessar e aceitar os termos do acordo para não responder ao processo criminal, que é uma pena em si mesmo.

O segundo, e mais grave, é a impossibilidade de negociar o acordo de não persecução penal de maneira justa no ambiente da investigação preliminar, cujo espaço defensivo é bastante limitado.  Se o inquérito policial é um procedimento em que não há contraditório assegurado (participação das partes), desenvolvido exclusivamente pela autoridade policial (ou o Ministério Público, isoladamente ou em conjunto), se mantendo o investigado inerte durante o procedimento, chegaria no momento de negociar sem nenhum elemento informativo a seu favor.

Sob essa ótica a investigação defensiva se revela essencial. Não se esquece que a Constituição Federal estabelece a presunção de inocência e que o ônus da prova é do órgão acusador. Portanto, se o investigado quiser negociar de modo equilibrado, deverá ter elementos suficientes para a barganha. E eles não serão fornecidos pela autoridade policial nem pelo Ministério Público.

É neste cenário que a investigação defensiva passa a ser um mecanismo essencial para a defesa, seja da pessoa jurídica ou física, principalmente após regulamentada a partir de 2018, por meio do provimento nº 188/2018 do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Como espécie do gênero da investigação defensiva, pode-se mencionar as investigações internas de pessoas jurídicas, a investigação auxiliar promovida pela vítima (em auxílio à acusação) e também a investigação defensiva propriamente dita, promovida em favor do investigado, como contraponto ao esforço investigatório do estado com a finalidade de promover a acusação.

O Supremo Tribunal Federal já reconheceu a validade da investigação direta pela defesa, conforme voto do Ministro Gilmar Mendes na PET 7612/DF, ao afirmar que as medidas “encontram guarida nas garantias fundamentais à assistência técnica, ao contraditório e à ampla defesa, aplicáveis inclusive no âmbito administrativo” (art. 5º, LXIII e LV, da CF/88).

O desenvolvimento das diligências não vedadas por lei diretamente pelo advogado encontra justificativa por conta das diversas finalidades na etapa preliminar: fundamentar decisão de arquivamento do inquérito; auxiliar investigação na qualidade de vítima; obter decisão de absolvição sumária ou, ainda, ter elementos para negociar o acordo de não persecução penal em maior paridade com a acusação, que estará imbuída do caderno investigatório entregue pela autoridade policial ou por ela produzido.

Assim, é imprescindível que todos que atuam na justiça criminal passem a refletir sobre as novas estratégias processuais, dentre elas a possibilidade de a defesa realizar investigações, seja na etapa preliminar, no curso processual ou até mesmo na etapa recursal. Já diziam, há muito tempo, que camarão que dorme, a onda leva. Eis a nova máxima do processo penal.

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