A fraude à licitação quando há efetiva prestação do serviço público

Como é a posição do Poder Judiciário quando houve fraude à licitação, mas o serviço público foi efetivamente prestado?
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Dante D’Aquino

Head da área penal empresarial

Dentre as diversas alterações e inovações promovidas pela nova Lei de Licitações, destaca-se o novo capítulo de crimes envolvendo a contratação com o poder público, intitulado “dos crimes em licitações e contratos administrativos”, que inseriu diversos artigos no código penal.

De um modo geral, a nova lei passou um recado muito claro no que diz respeito ao capítulo dos tipos penais (condutas proibidas e previstas como crime). E foi o de que não haverá mais tolerância e tratamento jurídico brando aos crimes que envolvam a contratação com o poder público. É uma mudança de paradigma no que diz respeito às punições. Houve severo agravamento das penas. Esse é o recado.

Uma das mais significativas mudanças ocorreu no delito de “frustrar ou fraudar” o caráter competitivo da licitação. Sem dúvidas, o mais importante modelo de conduta proibida – pois reúne grande discussão judicial – agora está disposto no artigo 337-F do Código Penal, com a seguinte redação: “frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório: Pena – reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa”.

Como se lê, a pena, da mesma forma que em outros crimes previstos pelo novo texto legal, foi majorada de modo significativo. Reclusão, de 04 a 08 anos, além da multa. Ou seja, mesmo sendo uma conduta sem violência ou grave ameaça à pessoa, recebeu tratamento severo pelo novo diploma, impedindo-se, por exemplo, benefícios como o acordo de não persecução penal (ANPP), bem como a substituição da pena privativa de liberdade por medida alternativa à prisão.

Mas a questão é: se a empresa que está processada por fraude à licitação efetivamente prestou o serviço público, a fraude persiste? Há crime?

E a resposta, dada pelo Superior Tribunal de Justiça quando da elaboração da Súmula 645, em fevereiro de 2021, é: sim, a fraude persiste. O crime se configura independentemente da comprovação do prejuízo. Juridicamente, este é o conceito de crime formal, isto é, que dispensa, para sua consumação, a prova do efetivo dano material. O delito se perfaz com a simples conduta, dispensando-se prova do resultado.

Por anos, os tribunais brasileiros debateram a questão do efetivo dano ao erário público como condição para configurar, ou não, o delito de fraude à licitação. A tese defendida em alguns Tribunais ou Câmaras Criminais era, até a edição da súmula, a de que havendo a efetiva prestação do serviço, a depender das condutas em exame, poderia não se configurar a fraude. 

E essa posição dos Tribunais se sustentava em um racional bastante convincente. Se houve a prestação do serviço público, de modo efetivo, não há que se falar em dano ao erário público. E ausente o dano ao Estado, por qual razão tipificar como criminosa essa conduta? Note-se que não se defendia a impunidade. Apenas que eventual responsabilidade pela conduta, como ausente de dano ao estado, poderia ser tratada em outras esferas do direito, tais como a cível e a administrativa, proibindo-se ou limitando-se a participação da empresa em outros processos licitatórios.

Houve, no entanto, uma mudança nessa linha da jurisprudência, e, com ela, a legislação também foi alterada. E ambos os movimentos – legislativo e judiciário – foram no sentido de agravar a pena e ampliar o espectro incriminador da interpretação. Consagrou-se o entendimento de que a fraude persiste mesmo com a efetiva prestação do serviço público. 

Repare-se que o eventual processo crime não afastará a ação civil pública por ato de improbidade e a multa, além das consequências advindas da própria existência do processo – que geralmente importam em certidões negativas, restrições a linhas de crédito e proibição de contratar com a administração pública (inidoneidade).

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