Mitigação da responsabilidade do fornecedor pelo atraso na entrega de mercadorias em tempos de pandemia

Bruno-Marzullo-Zaroni

Bruno Marzullo Zaroni

Head da área de contencioso e arbitragem

Laura

Laura Graner Pereira

Advogada da área de contencioso e arbitragem

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Da equipe Cível Corporativo 

Em dezembro de 2019, a Organização Mundial da Saúde (OMS) tomou ciência do surgimento do novo coronavírus na região central da China. Ainda no final do ano, o país tornou-se foco do surto, exigindo a adoção de medidas drásticas para conter a disseminação da contaminação.

Dentre tais medidas, o governo chinês determinou o fechamento temporário de fábricas. As implicações disso, porém, não ficaram confinadas à economia interna. Sabidamente a China é o maior fabricante de bens e mercadorias que abastecem grande parte do mundo, incluindo o Brasil.

Muito embora a China tenha logrado êxito em conter o avanço do contágio pela Covid-19, as consequências da paralisação temporária de suas empresas foram sentidas expressivamente na economia brasileira. O hiato na produção de bens e mercadorias pelas empresas chinesas passou a produzir reflexos na cadeia de abastecimento do mercado brasileiro.

A consequência do cenário ora delineado consiste na impossibilidade de cumprimento de prazos de entrega de bens e mercadorias pelos fornecedores brasileiros, mormente porque é cada vez mais raro empresas que trabalhem com vasto estoque de produtos.

Mais do que isso, empresas de e-commerce que adotam o modelo de negócio de dropshipping sequer detêm estoque. Apenas revendem produtos de parceiros comerciais, os quais são efetivamente os fabricantes – muitos destes estrangeiros. Assim, a empresa nacional revendedora é mera intermediária, que realiza a operação de venda e solicita ao fabricante internacional a entrega do produto diretamente ao consumidor.

É o caso de muitas empresa brasileiras, que dependem do constante fluxo de abastecimento de produtos estrangeiro, hoje drasticamente reduzido pela pandemia.

Se, por um lado, o atraso pode ser causado pela demora no recebimento de produtos fabricados no exterior, pode igualmente ser provocado pela paralisação ou redução da atividade das empresas de logística responsáveis pela importação e transporte de bens.

Em ambos os casos, enfrentar a problemática decorrente do atraso de entregas com medidas preventivas parece ser a melhor solução.

Um exemplo: ao realizar a venda de mercadorias para o consumidor, é essencial a precisa estipulação da extensão do prazo da entrega por período razoável ou, quanto menos, que a oferta do produto faça constar expressamente que, em virtude da pandemia, atrasos podem ocorrer.

A estipulação, a ser prevista em contrato, mesmo em casos de compras online, tem por objetivo resguardar a empresa fornecedora da indesejada dificuldade de cumprir os prazos contratuais devido ao desabastecimento de mercadorias.

Do mesmo modo, a oferta deve conter informação adequada e clara sobre prazos de entrega. É aconselhável a ênfase de que, diante da calamidade pública gerada pela pandemia da Covid-19 e devido aos reflexos da paralisação compulsória de empresas envolvidas na produção e distribuição de bens, eventuais atrasos na entrega das mercadorias podem ser experimentados.

Importante: a oferta publicitária é negócio jurídico unidirecional e sob controle exclusivo do anunciante. Logo, fazer constar informações adequadas e claras minimiza futuras discussões.

Ao lado disso, cabe ao fornecedor disponibilizar ao consumidor canais eficientes de comunicação (e-mail, telefone, atendimento virtual etc.).

Estas boas práticas, além de reduzir o risco de responsabilização, concretizam o dever de informação e constituem medidas que afastam a alegação de propaganda enganosa. Logo, envolvem práticas que merecem ser observadas pelos fornecedores de produtos de consumo, por expressa disposição do art. 6º, III e IV do Código de Defesa do Consumidor (CDC).

Problema semelhante sucede quanto aos prazos de reparo de produtos defeituosos. O CDC estabelece o limite de 30 (trinta) dias para reparo de mercadorias que possuam vício de qualidade ou de quantidade.

Porém, esse prazo pode ser estendido, caso convencionado entre as partes, respeitado o limite máximo de 180 (cento e oitenta) dias. Nos contratos de adesão, a cláusula de extensão de prazo deverá ser convencionada em separado, por meio de manifestação expressa do consumidor.

O objetivo de tais cautelas é criar um ambiente de transparência, informação e  boa-fé, para que, em eventual processo judicial, a empresa fornecedora esteja munida de provas que demonstrem a adoção de medidas para o cumprimento do prazo estabelecido ou, ao menos, que certifiquem que a extensão do prazo foi ajustada contratualmente. Nesse sentido, a elaboração de termo contratual apartado, com o fim de específico de dilatação do prazo, consoante permite o CDC, servirá como prova da extensão do prazo para conserto de produtos, em eventual processo judicial.

No tocante aos prazos de entrega de mercadorias que já foram adquiridas antes da adoção das medidas preventivas acima tratadas,  a discussão sobre a existência ou não de responsabilidade da empresa sobre o atraso, caso não solucionada consensualmente, tende a resultar em litígios judiciais.

Nessa hipótese, o afastamento da responsabilização da empresa por danos materiais ou morais (pedidos de praxe formulados por consumidores em situações como a ora analisada) decorrentes do atraso na entrega de produtos fundar-se-á em fatores externos inevitáveis, tendo como pano de fundo uma crise mundial sem precedentes.

Decisões judiciais recentes têm entendido que a deflagração da pandemia caracteriza-se como caso fortuito externo, ou seja, fato imprevisível e inevitável, que não guarda relação com os riscos inerentes à atividade desenvolvida pelos fornecedores.

O mesmo argumento se aplica caso seja ajuizada ação de obrigação de fazer ou de entrega de coisa, visando o recebimento, pelo consumidor, da mercadoria adquirida. Considerando que as operações que envolvem desde a fabricação até a entrega de produtos envolvem a chamada “cadeia de consumo”, a atuação deficitária de um dos integrantes dessa cadeia, em decorrência da pandemia, traz efeitos indesejados para todos os demais.

Tais posicionamentos do Poder Judiciário parecem acertados ao reconhecer na pandemia um fator de excludente da responsabilidade do fornecedor.

Aqui há um ponto importante e bastante negligenciado: a diferença entre o caso fortuito externo e o interno. O caso fortuito externo refere-se a um evento que não poderia ser previsto pelo empresário na determinação de seu risco operacional; consiste em elemento exterior ao risco específico de certa atividade empresarial. O interno, por sua vez, refere-se a elementos intrínsecos à matriz de risco de dada atividade empresarial.

Com efeito, reputamos desarrazoado o entendimento de que os reflexos de uma crise global possa ser interpretada como um risco inerente à atividade empresarial, com a atribuição exclusiva aos fornecedores das implicações econômicas e jurídicas surgidas dos atrasos nos prazos contratuais.

Porém, a verdade é que, devido à arraigada noção de vulnerabilidade do consumidor, caso não haja uma postura ativa das empresas na adoção de medidas preventivas de mitigação de riscos, a chance de responsabilização em processos judiciais é ainda uma realidade bastante provável.

A área Cível Corporativo do Vernalha Pereira permanece à disposição para esclarecer sobre este e outros temas de interesse de seus clientes.

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