Hoje, o regime jurídico das concessões de serviços públicos e das Parcerias Público-Privadas (PPPs) no Brasil, é conformado, essencialmente, pela Lei nº 8.987/1995 (Lei de Concessões) e pela Lei nº 11.079/2004 (Lei das PPPs). Ambas as normas desempenharam um papel crucial no desenvolvimento da infraestrutura nacional, tendo a participação privada no exercício de funções públicas ganhado proeminência e destaque na agenda econômica.
Ao longo das últimas décadas, no entanto, as crescentes complexidades dos projetos de infraestrutura, as demandas por maior eficiência e a necessidade de atrair volumes ainda mais significativos de investimento privado, sobretudo em cenários macroeconômicos desafiadores, evidenciaram a necessidade de uma atualização legislativa abrangente neste setor.
O regime atual, apesar de seus méritos e de consolidar a participação privada no exercício de atividades e funções públicas, apresenta gargalos que comprometem a segurança jurídica, dificultam a modelagem de projetos inovadores e oneram a gestão contratual.
A busca por maior clareza nas regras, mecanismos mais ágeis de solução de controvérsias e instrumentos que permitam uma alocação de riscos mais eficiente tornou-se um imperativo para destravar o potencial de investimento em infraestrutura no país.
Essa necessidade de atualização se insere em um contexto mais amplo de reformas legislativas e de marcos regulatórios setoriais, como nas áreas do saneamento básico, gás natural, portos e ferrovias, demonstrando um esforço legislativo contínuo para aprimorar o ambiente de negócios.
Apresentação do PL nº 7063/2017: a proposta de alteração das leis de concessões comuns e de PPPs
O Projeto de Lei (PL) 7063/2017 surge como a principal iniciativa legislativa para reformular o marco legal das concessões e PPPs. Originário do Senado Federal, o projeto passou por uma transformação substancial na Câmara dos Deputados, notadamente por meio do substitutivo apresentado pelo Deputado Arnaldo Jardim, designado relator.
O texto proposto por Jardim, conhecido inicialmente como a nova Lei Geral de Concessões (LGC), ambicionava consolidar em um único diploma legal, com diversas inovações, as normas vigentes sobre concessões comuns (Lei 8.987/95), PPPs (Lei 11.079/04) e aspectos relacionados a fundos de investimento em infraestrutura.
Na evolução do projeto, decidiu-se pela promoção de alterações mais pontuais nas leis já existentes, procurando endereçar questões mais prementes das concessões, sem a elaboração de um diploma legislativo único para disciplinar a matéria.
Status Legislativo Atual: Urgência e Próximos Passos
Atualmente, o PL nº 7063/2017 se encontra em estágio avançado de tramitação. Em 7 de maio de 2025, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto em Plenário.
Como foram feitas alterações na Câmara, a matéria será devolvida para análise pelo Senado.
As Principais Inovações Propostas pelo PL nº 7063/2017
O substitutivo contido na proposta do PL nº 7063 que foi aprovado pela Câmara introduz um conjunto significativo de inovações destinadas a modernizar o regime jurídico, aumentar a eficiência dos projetos e, sobretudo, reforçar a segurança jurídica para todas as partes envolvidas. Muitos das alterações propostas já estão presentes na prática dos contratos de concessão e PPP atuais, a despeito da ausência de previsão legislativa expressa.
- Previsão de compartilhamento de riscos em concessões comuns: consagrando o que já tem sido previsto nos contratos de concessão mais recentes, está sendo expressamente prevista a possibilidade de compartilhamento de risco entre as partes contratantes, inclusive nas concessões comuns. O projeto de lei deixa claro que poderão ser compartilhados inclusive os riscos referentes a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e álea econômica extraordinária. Além disso, há a previsão de que os riscos que tenham cobertura oferecida por seguradora deverão ser preferencialmente transferidos à concessionária, observadas as condições comerciais vigentes.
A atribuição de determinados riscos exclusivamente ao particular, sem condições de gerenciar ou reduzir o impacto da concretização desses riscos, levou à inviabilidade de vários contratos. Para evitar essas ocorrências, os contratos da nova geração já preveem uma distribuição mais balanceada dos riscos entre as partes contratantes. - Novos critérios de julgamento das propostas: inclusão dos critérios melhor técnica, melhor técnica com preço fixado no edital, menor aporte de recursos pelo poder concedente, menor valor de receita auferida pela concessionária, menor prazo de exploração do serviço, maior quantidade de obrigações de fazer e maior percentual de receita destinada ao poder concedente ou à modicidade tarifária.
Estes critérios, somados aos já previstos na lei, poderão ser utilizados isolada ou conjuntamente, devendo o edital estabelecer os pesos correspondentes – com a ressalva de que os critérios de “melhor técnica” e de “maior quantidade de obrigações de fazer” não poderão ser aplicados isoladamente, devendo ser combinados com outro critério previsto. Além disso, para os critérios de menor tarifa e de menor aporte de recursos pelo poder concedente, o projeto de lei prevê a possibilidade de apresentação de lances sucessivos negativos, hipótese em que o lance poderá ser convertido em oferta a ser paga pelo licitante vencedor. - Autorização para pagamento e aporte de recursos pela Administração Pública em concessões comuns: dispõe sobre a possibilidade de reequilíbrio em concessões comuns mediante pagamento do poder concedente à concessionária ou oferecimento de vantagens ou subsídios não previstos à época da licitação. Prevê também a possibilidade de aporte de recursos a favor da concessionária para a realização de obras e aquisição de bens reversíveis.
Com isso, supera-se um antigo debate, se seria possível a utilização de aportes em favor da concessionária em concessões comuns. - Autorização para contratação de serviços conexos: a licitação da concessão poderá também incluir a contratação de prestação de serviços e execução de obras conexos, assim entendidos “aqueles cuja realização associada pela mesma concessionária se justifique pela eficiência econômica, ganhos de escala, complementariedade de escopo ou em razão de atendimento integrado aos interesses dos usuários”. O projeto de lei destaca que, para serem caraterizados como conexos, as obras e serviços podem não ser do mesmo setor do serviço concedido e podem compreender a execução de obras que, após a entrega, não venham a ser geridas e exploradas pela concessionária. Trata-se de definição bastante ampla, que permitirá diversos arranjos para contratações mais eficientes.
- Receitas acessórias: inclusão de novas regras sobre a possibilidade de as concessionárias auferirem receitas acessórias, incluindo o desenvolvimento de projetos complementares ou acessórios com prazo superior à concessão principal e a possibilidade de constituição de SPE pela concessionária para a realização do projeto ou desenvolvimento da atividade.
- Contas vinculadas: previsão expressa da possibilidade de utilização do mecanismo de contas vinculadas dos recursos da concessão.
- Novas regras para o reequilíbrio econômico-financeiro: o projeto de lei prevê expressamente o reequilíbrio cautelar, que pode ser concedido de ofício ou a requerimento. Além disso, é previsto um regime jurídico detalhado para o processo de reequilíbrio, com prazos obrigatórios para resposta aos pedidos de reequilíbrio e possibilidade de contratação de auditorias independentes, aprimorando a segurança jurídica e a eficiência administrativa. Há ainda a previsão de que os contratos vigentes poderão ser aditados para dispor sobre o prazo para resposta ao pedido de desequilíbrio.
Além disso, o projeto de lei consagra o entendimento predominante na jurisprudência, no sentido de que prescreve em 5 (cinco) anos, contados do evento causados do desequilíbrio, a pretensão de restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro. A apresentação do pedido de reequilíbrio interrompe esse prazo uma única vez, o qual recomeça a contar a partir da decisão final do poder concedente.
O projeto ainda dispõe sobre as possíveis medidas de reequilíbrio. Em relação à extensão do prazo contratual, deixa claro que a sua aplicação para fins de reequilíbrio não será considerada prorrogação do contrato. - Benefícios tarifários: condiciona a implementação de novos benefícios tarifários posteriores à proposta entregue na licitação à decisão cautelar ou definitiva do poder concedente ou da agência reguladora estabelecendo as medidas de reequilíbrio correspondentes. Com isso, busca reforçar a noção de reequilíbrio “concomitante” previsto no art. 9º, §4º, da Lei nº 8.987/95.
- Cabimento de tarifa para serviços divisíveis e não divisíveis: buscando superar a discussão que ainda se coloca, o projeto de lei prevê expressamente a possibilidade de cobrança de tarifa inclusive para remunerar serviços públicos indivisíveis.
- Previsão de homologação tácita de reajuste: para os casos em que o reajuste de tarifas é baseado em índices e fórmulas matemáticas, na hipótese de o poder concedente não proceder à sua homologação ou divulgar as razões fundamentadas de sua rejeição no prazo de 30 (trinta) dias contados da data-base prevista no contrato para o reajuste, a concessionária poderá aplicar o reajuste mesmo sem a sua homologação expressa.
Como ainda são frequentes os debates nos períodos de reajuste anual das tarifas, a possibilidade de homologação tácita é bastante salutar, reduzindo os prejuízos da concessionária com a demora no processo de aprovação do reajuste. - Novas regras para a transferência das concessões: previsão da possibilidade de alteração ou dispensa das exigências de habilitação do adquirente, caso os serviços que exijam a qualificação já tenham sido concluídos, bem como da possibilidade de alteração da forma e prazo de cumprimento das obrigações contratuais e de penalidades aplicadas. Poderá ser conferido prazo adicional para o cumprimento das obrigações contratuais, com a suspensão da aplicação de penalidades nesse período. Trata-se de previsão importante, que poderá tornar mais atraentes as negociações no mercado secundário de concessões.
- Previsão expressa da possibilidade de suspensão ou redução das obrigações da concessionária no caso de inadimplemento do poder concedente: de acordo com o projeto de lei, cabe ao contrato disciplinar quais obrigações da concessionária poderão ser suspensas nesses casos. Sem prejuízo de outras hipóteses que podem ser previstas no contrato, o projeto de lei já prevê que a concessionária poderá suspender a execução de obras no caso de inadimplemento de obrigações contratuais do poder concedente relacionadas a licenciamento ambiental, desocupação, desapropriação ou instituição de servidão administrativa de bens necessários à execução das obras e no caso de inadimplemento pecuniário pelo poder concedente superior a 2 (dois) meses.
Trata-se de medida bastante salutar, que propicia maior segurança jurídica e celeridade na solução dos impasses. Diante de inadimplementos do poder concedente, muitos deles com consequências graves para a concessão, a concessionária precisava recorrer ao Judiciário para se desobrigar parcialmente de suas obrigações. Com a previsão legal e contratual expressa, o tema deverá ser tratado na própria esfera administrativa. - Inclusão da relicitação entre as hipóteses de extinção dos contratos.
- Previsão da possibilidade de rescisão do contrato por iniciativa da concessionária, no caso de descumprimento do contrato pelo poder concedente, mediante ação judicial ou procedimento arbitral específico para tanto.
- Disciplina mais detalhada da intervenção nos contratos.
- Regulamentação dos acordos tripartites nos contratos, a serem celebrados entre o poder concedente, financiadores e concessionária.
- Disciplina da atuação do verificador independente.
- Autorização para utilização de atestados de empresas do mesmo grupo econômico: igualmente consagrando legislativamente o que já tem sido prática recorrente nas licitações, o projeto de lei permite a comprovação da capacitação técnica mediante a apresentação de atestados emitidos em nome de sociedade controladora, controlada, coligada ou do mesmo grupo econômico da licitante ou de um dos consorciados.
- Previsão expressa da possibilidade de utilização de meios alternativos de prevenção e resolução de controvérsias, incluindo a arbitragem e os comitês de resolução de disputas.
Perspectivas Otimistas para a Infraestrutura Brasileira
A análise do Projeto de Lei nº 7063/2017 revela uma iniciativa legislativa robusta e abrangente, com potencial para redefinir o panorama dos investimentos em infraestrutura no Brasil. Uma vez aprovado, tem o potencial de gerar impactos positivos significativos. A maior segurança jurídica e a clareza das regras, resultantes da consolidação normativa e da introdução de mecanismos modernos de gestão e solução de controvérsias, são fatores cruciais para a atração de investimentos privados, tanto nacionais quanto estrangeiros.