Por que o Marco Legal das Criptomoedas não protege o investidor de golpes?

O Marco Legal das Criptomoedas estabelece novos crimes e causas de aumento de pena. Entenda por qual razão isso não protege o investidor.
Henrique-Dumsch-Plocharski

Henrique Plocharski

Advogado da área penal empresarial

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Recentemente, entrou em vigor o Marco Legal das Criptomoedas (Lei n.º 14.478/22), que dispõe sobre diretrizes a serem observadas na prestação de serviços de ativos virtuais e na regulamentação das prestadoras de serviços de ativos virtuais. A referida lei acrescenta no Código Penal o crime de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, além de alterar a Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro (Lei n.º 7.492/86) e a Lei de Lavagem de Dinheiro (Lei n.º 9.613/98).

Em complementação ao Marco Legal, em junho deste ano, o Governo publicou o
Decreto n.º 11.563/23, que estabeleceu ao Banco Central a competência para  a) regular a prestação de serviços de ativos virtuais, observadas as diretrizes da referida lei; b) regular, autorizar e supervisionar as prestadoras de serviços de ativos virtuais; e c) deliberar sobre as demais hipóteses estabelecidas na Lei n.º 14.478, de 2022, ressalvado o disposto no art. 12, na parte que inclui o art. 12-A na Lei n.º 9.613, de 03.03.1998 (que trata do Cadastro Nacional de Pessoas Expostas Politicamente).

Pode-se afirmar, em linhas gerais, que a vigência da nova legislação referente aos criptoativos é um avanço que inseriu o Brasil em um grupo pequeno de países que já tutelam legalmente o setor. A competência do Banco Central para regulamentar a prestação dos serviços e supervisionar as exchanges, em conjunto com a exigência de prévia autorização para o funcionamento, melhora a segurança do setor que, apesar de alta no aspecto tecnológico, sofre com a volatilidade e riscos inerentes ao ativo e também com os inúmeros golpes praticados contra investidores de todos os níveis.

Contudo, questiona-se se a legislação atual é suficiente para inibir a criação de “pirâmides financeiras” ou coibir centenas de fraudes desveladas recentemente que ocasionaram, não raramente, prejuízo excepcional para inúmeras pessoas.

Há algumas razões para afirmar que o avanço legal é necessário e bem-vindo, porém, insuficiente no aspecto de prevenção de fraudes.

Na esfera penal, vige o princípio da anterioridade da lei, segundo o qual “Não há crime sem lei anterior que o defina e não há pena sem prévia cominação legal”. Ou seja, o crime incluído no Art. 171-A do Código Penal, de fraude com a utilização de ativos virtuais, valores mobiliários ou ativos financeiros, com sanção de 04 a 08 anos, além de multa, só poderá ser imputado para condutas ocorridas após a data de vigência da Lei n.º 14.478/22. O mesmo ocorre com as causas de aumento de pena como, por exemplo, a inserida no § 4º da Lei de Lavagem de Dinheiro, que agrava a sanção dos crimes de lavagem cometidos de forma reiterada por intermédio de organização criminosa ou por meio da utilização de ativo virtual.

Dito de outro modo, significa que as condutas ilícitas envolvendo criptoativos, praticadas até a metade de 2023, continuarão a ser punidas de acordo com os tipos penais previstos no Código Penal, na Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro ou com base na Lei de Crimes contra a Economia Popular, bastante desatualizadas.

O crime de Estelionato em sua figura comum, previsto no Código Penal, tem pena de um a cinco anos. A Lei de Crimes Contra o Sistema Financeiro prevê, em geral, figuras típicas com penas entre dois a oito anos de prisão, como no caso do artigo 7º, que pune a emissão, oferecimento ou negociação de títulos ou valores mobiliários falsos ou sem registro prévio de emissão junto à autoridade competente ou irregularmente registrados. Existe, ainda, o crime de “obter ou tentar obter ganhos ilícitos em detrimento do povo ou de número indeterminado de pessoas mediante especulações ou processos fraudulentos (“bola de neve”, “cadeias”, “pichardismo” e quaisquer outros equivalentes)”, previsto na Lei n.º 1.521/51, com pena de seis meses a dois anos de detenção.

Não se deve esquecer que, dependendo das circunstâncias e da complexidade do esquema criminoso, é possível que as condutas também constituam o crime de organização criminosa (punido com pena de três a oito anos) e lavagem de dinheiro (punido com pena de três a dez anos), podendo as penas serem somadas.

Logo, mesmo antes do Marco Legal das Criptomoedas e do aumento de pena para o crime de estelionato, dependendo da complexidade do esquema criminoso, a condenação poderia ultrapassar oito anos de pena privativa de liberdade, submetendo o autor ao regime fechado (cumprido no interior da penitenciária). Em vista disso, a principal mudança legal é no aspecto de que, com uma única fraude, ainda que pequena, o criminoso poderá ser condenado a penas mais severas.

Entretanto, esta circunstância é irrisória, sobretudo no cenário de golpes e pirâmides que ultrapassam as fronteiras nacionais e atingem milhares de vítimas. Assim, a principal justificativa para afirmar que a nova legislação é insuficiente reside no seguinte aspecto: o recrudescimento da pena não é eficaz para coibir atos criminosos.

O foco, portanto, deve residir no efetivo controle pelas entidades administrativas, bem como na conscientização do investidor, somado aos esforços de recuperação dos patrimônios já ilicitamente auferidos pelos golpistas, já que a curta experiência demonstrou que a justiça criminal trabalha de modo tardio.

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