Prazo de 30 dias para reparo não limita indenização integral do consumidor

STJ decide: art. 18, §1º, do CDC não é "franquia" para danos.
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Dayana Dallabrida

Coordenadora

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Síntese

O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que o prazo de 30 dias do art. 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor, para reparo de produtos defeituosos não limita a responsabilidade do fornecedor. Em caso de vício judicialmente reconhecido, o consumidor deve ser ressarcido integralmente por todos os prejuízos materiais, independentemente de terem ocorrido dentro ou fora desse período. A decisão se deu em recurso de um consumidor que teve seu veículo, um Ford Ranger, parado por 54 dias.

Comentário

A Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) proferiu uma decisão de significativa relevância para o mercado industrial e para as relações de consumo no Brasil. No Recurso Especial nº 1935157 – MT (2021/0125800-1), o STJ reafirmou o princípio da reparação integral do consumidor, definindo que o prazo de 30 dias para o saneamento de vícios em produtos, previsto no artigo 18, § 1º, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), não atua como um limite à responsabilidade do fornecedor pelos danos materiais sofridos. A interpretação reforça o princípio da reparação integral e evita a transferência indevida dos riscos da atividade empresarial para o consumidor.

O caso em questão envolveu um consumidor que adquiriu um veículo zero quilômetro. Menos de um ano após a compra e dentro do prazo de garantia de cinco anos, o veículo apresentou um grave defeito mecânico durante uma ultrapassagem. O automóvel permaneceu por 54 dias sem reparo nas dependências da concessionária, que recebeu o veículo no mesmo dia do problema. A demora no conserto ocorreu devido à falta de peças de reposição. Durante esse período, o consumidor arcou com despesas de locação de outro veículo e contratação de frete, buscando posteriormente indenização por esses prejuízos materiais, além de danos morais.

As instâncias de origem reconheceram a responsabilidade civil solidária da fabricante Ford Motor Company Brasil Ltda. e da concessionária por vício do produto. Contudo, ambas as decisões limitaram a indenização por danos materiais apenas ao período que excedeu os 30 dias previstos no art. 18, § 1º, do CDC. O TJMT, por exemplo, firmou o entendimento de que a indenização seria cabível somente em relação ao período que ultrapassasse esse trintídio legal.

O cerne da discussão no STJ, conforme levantado pelo Ministro Relator Antonio Carlos Ferreira, foi precisamente definir se essa limitação temporal da indenização material era compatível com a legislação consumerista. A Quarta Turma do STJ, por unanimidade, deu parcial provimento ao recurso do consumidor, esclarecendo que o prazo de 30 dias do art. 18, § 1º, do CDC não é uma excludente de responsabilidade, mas sim um limite para que o fornecedor solucione o vício antes que o consumidor possa exercer alternativas legais, como a substituição do produto, a restituição do valor pago ou o abatimento proporcional do preço.

O STJ enfatizou que esse período de 30 dias não constitui uma “franquia” ou “tolerância” para que o fornecedor cause prejuízos ao consumidor sem nenhuma responsabilidade. Uma interpretação sistemática do CDC, em especial o art. 6º, VI, que consagra o princípio da reparação integral dos danos patrimoniais e morais, impõe que o consumidor seja ressarcido por todos os prejuízos materiais decorrentes do vício do produto, uma vez que este seja judicialmente reconhecido, independentemente de terem ocorrido dentro ou fora do prazo de 30 dias. A Corte Superior adverte que limitar a indenização ao período posterior aos 30 dias representaria uma transferência dos riscos da atividade empresarial para o consumidor, o que contraria a lógica do sistema de proteção consumerista, que busca evitar que a parte mais fraca arque com os prejuízos decorrentes de defeitos dos produtos. A doutrina especializada, citada no acórdão, corrobora essa visão, defendendo o ressarcimento completo e sugerindo que fornecedores disponibilizem produto similar durante o reparo para mitigar eventuais indenizações. Precedentes da própria Quarta Turma do STJ, como o REsp n. 1.297.690/PR, já haviam assentado que é “terminantemente vedada a transferência, pelo fornecedor de produtos e serviços, dos riscos da sua atividade econômica”.

Para as empresas e fornecedores, esta decisão é um alerta claro: a responsabilidade pelos danos materiais decorrentes de vícios em produtos é integral desde o primeiro dia de prejuízo comprovado, caso o vício seja judicialmente reconhecido. Não há “período de carência” para a indenização material. No entanto, é fundamental compreender que essa decisão não impõe uma obrigação genérica de disponibilizar produto substituto durante o reparo na garantia. O que se estabelece é que, uma vez judicialmente reconhecida a existência do vício do produto, a indenização deverá abranger todos os prejuízos comprovadamente sofridos pelo consumidor, inclusive aqueles ocorridos durante o prazo do art. 18, § 1º, do CDC. Assim, o foco da empresa deve ser na celeridade e eficácia do reparo, ou na oferta das alternativas legais quando o conserto não é possível, para evitar a acumulação de danos que serão integralmente indenizáveis.

Quanto aos danos morais, o STJ manteve o valor fixado pelas instâncias de origem em R$ 10.000,00 (dez mil reais). O Tribunal reiterou seu entendimento consolidado de que a revisão do valor fixado a título de danos morais somente é possível quando a importância arbitrada é manifestamente exorbitante ou irrisória, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Ausentes tais hipóteses, incide a Súmula n. 7/STJ, que impede o reexame do contexto fático-probatório.

A decisão do STJ no REsp 1935157 – MT reforça um importante marco na proteção do consumidor: que a reparação dos danos materiais deve ser completa e imediata desde a ocorrência do prejuízo decorrente do vício do produto. As empresas devem estar atentas a essa diretriz, ajustando suas políticas e procedimentos para assegurar a efetiva prevenção e reparação de danos, evitando litígios e passivos decorrentes de uma interpretação restritiva da sua responsabilidade e transferências indevidas de riscos ao consumidor. A proatividade na solução de vícios e a compreensão da integralidade da responsabilidade são essenciais para a conformidade e a saúde jurídica e financeira dos negócios.

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