Com a entrada em vigor da Lei Complementar nº 214/2024, que institui a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS) e o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), o Brasil inicia uma nova etapa na tributação sobre o consumo. O modelo adotado, conhecido como IVA dual, visa simplificar e racionalizar o sistema tributário, substituindo o atual sistema cumulativo por uma lógica de não cumulatividade ampla e consistente. Essa transformação implica desafios e oportunidades significativas, especialmente para o setor de serviços, que responde por mais de 70% do Produto Interno Bruto (PIB) nacional e desempenha papel fundamental na geração de emprego no país.
A principal inovação da reforma é permitir que os contribuintes abatam, a cada etapa da cadeia econômica, os impostos já pagos nas fases anteriores, evitando a tributação em cascata que onera produtos e serviços. O IBS e a CBS, em conjunto, formam o modelo brasileiro de imposto sobre valor agregado (IVA dual), no qual a não cumulatividade é o pilar central para evitar repetição da tributação ao longo da cadeia produtiva.
No entanto, a aplicação desse princípio não é uniforme para todos os setores econômicos. Os setores industrial e comercial, que possuem cadeias produtivas mais longas e demanda intensiva por insumos tributados, como matérias-primas, máquinas e energia, podem aproveitar a apropriação de créditos em cada fase, diminuindo o imposto devido nas etapas seguintes. Já o setor de serviços enfrenta limitações estruturais para o aproveitamento completo desses créditos, dado que seu principal custo operacional — a folha de pagamento — não gera direito a crédito fiscal.
Essa particularidade foi evidenciada durante o debate público e legislativo que resultou no Projeto de Lei Complementar nº 63/2025, apresentado pelo Senador Laércio de Oliveira. O PLP 63 tem como objetivo corrigir essa desigualdade ao instituir um mecanismo de crédito presumido de CBS para as empresas cuja atividade principal seja a prestação de serviços, reconhecendo que, sem essa compensação, o setor estaria excessivamente onerado.
O projeto propõe a inclusão dos §§ 12 e 13 no artigo 47 da LC 214/2024, estipulando que pessoas jurídicas que tenham atividade preponderante em serviços — definida pelo código da Classificação Nacional de Atividades Econômicas (CNAE) — e receita mínima de 75% proveniente de serviços possam utilizar um crédito presumido correspondente a 60% da alíquota da CBS incidente sobre suas operações. Essa medida visa equilibrar a carga tributária, que se tornou desproporcional para o setor após a reforma, nivelando sua competitividade em relação à indústria e ao comércio.
Além desta possível previsão de crédito presumido, a LC 214/2024 já conta com alguns critérios para o aproveitamento de créditos referentes a benefícios e despesas ligadas aos empregados. Estão contemplados gastos com uniformes, equipamentos de proteção individual (EPIs), alimentação, assistência médica, creche e benefícios educacionais, desde que sejam essenciais e concedidos de forma uniforme, conforme acordos ou convenções coletivas (arts. 47 e 48). Por outro lado, benefícios obrigatórios por lei, como FGTS, férias, 13º salário e adicionais legais, permanecem não creditáveis, preservando a disciplina fiscal.
Importante destacar que o direito ao crédito depende da efetiva incidência do tributo na operação anterior. Por exemplo, despesas com benefícios adquiridos de fornecedores isentos, como a alimentação fornecida por meio do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT) ou o vale-transporte, não gerarão crédito, mesmo que sejam custos legítimos da empresa. Portanto, é fundamental realizar um mapeamento detalhado dos fornecedores e contratos, comprovando o vínculo dos gastos com a atividade econômica da empresa.
O texto legal vigente também impõe limites para evitar créditos indevidos. São excluídos créditos sobre bens e serviços de uso pessoal, exceto quando comprovadamente essenciais e vinculados às atividades da empresa. Créditos sobre itens como joias, obras de arte, bebidas alcoólicas, armas e munições são vedados, salvo se a atividade econômica justificar tais insumos, como no caso de empresas de segurança privada. Além disso, não é permitido crédito sobre bens fornecidos gratuitamente ou por valores inferiores ao mercado a sócios, administradores ou familiares, como imóveis, veículos e combustíveis (art. 57 da LC 214/2024).
Outro ponto técnico relevante é que os créditos de IBS e CBS devem ser apurados separadamente, sem possibilidade de compensação entre eles. A apuração será mensal, centralizada por CNPJ, e os créditos terão validade de até cinco anos. Também é proibida a cessão desses créditos entre empresas, exceto em situações específicas de sucessão empresarial, o que limita operações de planejamento tributário que envolvam transferência de créditos.
Para as empresas optantes pelo Simples Nacional, o novo regime apresenta outra particularidade: essas empresas não terão direito a crédito direto da CBS. Contudo, a depender da escolha do regime do fornecedor contribuinte do Simples Nacional, seus clientes poderão usufruir de créditos presumidos calculados com base nos tributos embutidos nas compras.
No setor de serviços, o maior benefício da reforma será a possibilidade do tomador do serviço se creditar do imposto destacado pelo prestador, fortalecendo empresas que atuam com clientes empresariais. Por outro lado, serviços prestados a tomadores sem direito a crédito, como entes públicos e condomínios residenciais, resultarão em maior carga tributária direta, exigindo ajustes contratuais para repasse do custo fiscal e revisão das estratégias comerciais.
A transição para o novo modelo tributário será gradual, prevista para o período de 2026 a 2032, com coexistência dos regimes antigo e novo. Durante esse intervalo, será essencial que as empresas acompanhem as normas complementares, realizem diagnósticos fiscais e operacionais, reclassifiquem despesas e se preparem para aproveitar integralmente os créditos e incentivos, minimizando riscos de autuações.
Embora haja limitações, a LC 214/2024 e o PLP 63/2025, ainda em tramitação, sinalizam um ambiente tributário mais técnico e previsível, com critérios objetivos para definir quais despesas são consideradas insumos.