Setor dois e meio: as empresas sociais e o direito societário

As empresas sociais unem elementos do Segundo e do Terceiro Setor com objetivos sociais e lógica empresarial. Mas como essas alterações se enquadram no Direito Societário?
Bruno-Herzmann-Cardoso

Bruno Herzmann Cardoso

Advogado egresso

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Em 1976, Muhammad Yunus, um jovem economista de Bangladesh, constatou a dificuldade de pessoas carentes em obter empréstimos no sistema bancário tradicional. Sem poder apresentar garantias, os bancos lhes negavam até mesmo pequenas quantias de crédito, que poderiam ser usados para a compra de insumos; ou, quando conseguiam o dinheiro, ele vinha acompanhado de uma generosa taxa de juros.

Diante desse cenário, Yunus criou o Banco Grameen, que fornecia microcrédito para pessoas mais pobres, sem exigir garantias e com juros baixos. O projeto teve muito sucesso, com taxa de adimplência altíssima, contando hoje com mais de 8 milhões de mutuários e, em 2006, rendeu a seu fundador o Prêmio Nobel da Paz.

A iniciativa de Muhammad é considerada um excelente exemplo das chamadas empresas sociais, ou “negócios de impacto”. Tratam-se de empreendimentos cujo propósito é fornecer solução a um problema socioeconômico por meio de sua atividade principal (falamos brevemente sobre a temática aqui).

Diferentemente do Segundo Setor, o objetivo principal da empresa social não é o lucro; mas, por sua vez, de forma distinta às entidades do Terceiro Setor, a empresa social busca ser autossustentável e gerar resultados próprios por meio de sua atividade principal, sem depender de doações ou atividades acessórias. Trata-se, portanto, de um misto entre a iniciativa empresarial e as instituições beneficentes. Por isso, formam o “Setor Dois e Meio” da Economia, a união entre a maximização do impacto social e o resultado financeiro.

Focados principalmente em áreas como educação, tecnologias verdes, saúde e finanças sociais, os negócios sociais ainda não contam com um tipo societário próprio na lei brasileira. Outros países já contam com uma figura jurídica própria, tais como a África do Sul (empresa sem fins lucrativos), Inglaterra (community interest company), Israel (empresa privada para benefício público) e Japão (empresa especial sem fins lucrativos), entre outros.

Esse vácuo legislativo é aprofundado por uma indefinição doutrinária. Há ainda discussão conceitual sobre a possibilidade ou não das empresas sociais distribuírem dividendos aos seus sócios. Muhammad Yunus, por exemplo, defende que tal distribuição não deve ser permitida e que os resultados devem ser todos reinvestidos no objetivo social da empresa. Outras correntes, contudo, defendem uma solução intermediária, com a distribuição limitada de dividendos, autorizada somente após a confirmação pelos administradores de que haja destinação suficiente dos lucros para reinvestimento nas próprias atividades da empresa.

De qualquer forma, fato é que, face à ausência de um figurino jurídico próprio, a escolha (e o risco) cabe aos empreendedores sociais, que devem optar por um modelo societário entre aqueles disponíveis às demais organizações. Isso traz consigo algumas incertezas. Abordamos, neste texto, alguns aspectos da escolha por modelos de sociedades empresariais, sem ignorar, contudo, que também estão no campo as cooperativas e as associações/fundações.

A sociedade empresária, em suas diferentes espécies (sendo mais comuns as limitadas e as anônimas de capital fechado), é um modelo cuja finalidade precípua é auferir lucros. Não há dúvida disso. Há, em razão dessa estruturação, um evidente conflito de interesses quando o empreendedor social opta por esse modelo.

De início, por expressa definição da lei, os sócios não podem proibir terminantemente a distribuição de dividendos. A participação nos lucros de uma sociedade empresária é um direito fundamental do sócio. Ainda que tal proibição fosse inicialmente aceita entre os sócios, em um eventual conflito, seria possível questionar a regra judicialmente, o que traz insegurança.

Assim, impõe-se a necessidade do empreendedor social de fixar regras no ato constitutivo (contrato ou estatuto social), ou por meio de um acordo de sócios, dentro do qual sejam determinadas regras limitando, mas não proibindo, a distribuição de dividendos, e regulando os demais aspectos da vida financeira da sociedade. Isto é, as regras sobre o propósito social da empresa devem ser firmadas entre os sócios, havendo mais margem para criatividade, mas, justamente por isso, mais necessidade de clareza e cuidado em sua definição.

Vê-se, com isso, que os negócios de impacto funcionam em um ambiente legislativo mais livre, o que traz, consigo, a necessidade de planejamento mais detalhado do que já seria preciso em um empreendimento empresarial ordinário. Não só o modelo de negócios tem de ser bem pensado, mas também a regulação das finanças da sociedade tendo em vista seu objetivo social, que é sua verdadeira razão de ser.

Enquanto não há definição legislativa, recomenda-se ao empreendedor social contar com um auxílio jurídico especializado para evitar riscos desnecessários.

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