STF decide que TCU não deve aplicar sanção de inidoneidade em casos já tratados em acordo de leniência

Decisão unânime dos Ministros da 2ª Turma do STF garante a observância à segurança jurídica e viabilidade dos acordos de leniência.
Karina-Yumi-Ogata

Karina Yumi Ogata

Advogada egressa

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Síntese

Em linha com o Acordo de Cooperação Técnica celebrado pelo TCU e outras entidades públicas no segundo semestre de 2020, STF decide que não deve ser aplicada sanção de inidoneidade em processos em trâmite perante o TCU que tratem de atos abarcados em acordo de leniência, a fim de garantir segurança jurídica aos colaboradores e a viabilidade dos ajustes, bem como para que não haja mais de uma penalização sobre o mesmo fato.

Comentário

No segundo semestre de 2020, entidades da Administração Pública Federal, com o incentivo do Supremo Tribunal Federal – STF, assinaram Acordo de Cooperação Técnica sobre a operacionalização dos acordos de leniência previstos na Lei Federal n.º 12.846/2013, com regras de governança entre os diversos atores competentes (e independentes entre si) pelo monitoramento e punição dos agentes envolvidos em atos de corrupção contra o Poder Público.

A partir da edição do Acordo de Cooperação Técnica, o Tribunal de Contas de União – TCU passou a ter a prerrogativa de avaliar eventual dano tratado em acordo de leniência; estimar o valor do dano (nas matérias de competência da Corte de Contes);  dar quitação ao dano, condicionada ao cumprimento acordo de leniência, entre outras atribuições;  e não instaurar ou, então, extinguir processos de sua competência, que tratem do mesmo dano apurado em acordo de leniência, sendo-lhe vedado aplicar sanções de inidoneidade, suspensão ou proibição de contratar com a Administração Pública, nos casos em que os ilícitos já tenham se resolvido em acordo de leniência.

Em linha com este espírito de cooperação entre os órgãos e entidades públicas competentes pelo monitoramento e punição dos atos de corrupção, os Ministros da 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal entenderam, por unanimidade, que as decisões do Tribunal de Contas da União que culminam na aplicação da sanção de inidoneidade, em razão de ilícitos já tratados em acordos de leniência, viola o princípio da segurança jurídica e compromete a viabilidade dos acordos de leniência. A decisão foi proferida em apreciação de um conjunto de Mandados de Segurança (n.ºs 35.435, 36.173, 36.496 e 36.526), no final de março de 2021.

Na decisão também restou consignado que não pairam dúvidas sobre a competência constitucional do Tribunal de Contas da União para fiscalizar a aplicação do dinheiro público e quantificar eventual dano ao erário.

Entretanto, esta competência não é alheia à disciplina dos acordos de leniência firmados pela Controladoria-Geral da União, Advocacia-Geral da União e Ministério Público, sendo certo que a melhor solução, diante desta sobreposição de competências, é a atuação coordenada dos diversos atores competentes.

Além da organização institucional, a decisão do Supremo Tribunal Federal reverencia a segurança jurídica daqueles que se beneficiam dos acordos de leniência ____ os colaboradores ____, isto porque, além de mitigar as condições que lhe foram impostas em contrapartida à colaboração, a aplicação da sanção de inidoneidade, pelo Tribunal de Contas da União, em casos já abarcados em acordos de leniência, prejudica o espírito colaborativo (inerente aos acordos de leniência).

Prejudica-se, dessa forma, o incentivo àqueles que buscam reparar os danos e cessar a conduta delituosa, pois, se de um lado, o colaborador reconhece a prática delituosa e se propõe a colaborar com o Estado brasileiro, de outro, havia o risco de o Tribunal de Contas da União ignorar as tratativas que o convenceram a reparar os seus danos, aplicando-lhe sanções.

A atuação irrestrita do Tribunal de Contas da União pode se configurar como desestímulo à celebração de acordos de leniência, já que os benefícios oferecidos aos particulares (isenção ou atenuação de penalidade) não têm sido observados por aquele Tribunal, aumentando-se o risco de os colaboradores serem apenados mais de uma vez sobre o mesmo fato, conforme pontuado pelo Supremo Tribunal Federal na decisão dos Mandados de Segurança, na qual se exarou o entendimento de que a aplicação da sanção de inidoneidade pelo Tribunal de Contas da União resultará em ineficácia da cláusula de isenção ou atenuação das sanções administrativas dos acordos de leniência, prevista no artigo 17 da Lei Federal n.º 12.846/2013.

Ao lado deste desestímulo está o possível comprometimento das atividades econômicas exercidas pelos colaboradores que, na maioria das vezes, estão atreladas unicamente à execução de obras públicas ou prestação de serviços públicos. Para o colaborador que tem como único cliente a Administração Pública, a declaração de inidoneidade ou o impedimento de licitar e contratar é uma pena de morte.

Nesta esteira, a decisão do Supremo Tribunal Federal é um precedente que contribui à consolidação da governança institucional estabelecida pelo Acordo de Cooperação Técnica e à observância do direito à segurança jurídica dos colaboradores nos processos administrativos em trâmite perante o Tribunal de Contas da União.

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